Como parceira de uma
aliança Anglo-Portuguesa, desde o Tratado de Windsor de 1386, os
governos britânicos têm consecutivamente interpretado as suas obrigações
para com Portugal em termos das suas próprias necessidades, umas vezes
estratégicas outras económicas e têm sido muito reservados na prestação
de auxílio sempre que tem sido requerida a sua assistência.
Em 1873, por exemplo, não se
mostraram incondicionais na defesa da integridade e independência de
Portugal quando ameaçada por uma possível invasão de forças republicanas
espanholas, ou em 1877, quando os Portugueses pediram assistência na
defesa da sua colónia de Goa.
A aliança também não impediu os
Ingleses de abrirem negociações com os Alemães sobre o destino das
colónias portuguesas entre 1898-1899 e entre 1911-1914, tendo apenas o
estalar da Grande Guerra interrompido o desfecho.
Apesar das colónias portuguesas
estarem a ser atacadas pelos Alemães, e de os Portugueses querem entrar
de imediato ao lado dos Aliados, os Ingleses pressionaram
diplomaticamente o governo de Lisboa para não se tornar beligerante.
A Inglaterra suspeitava que se
Portugal se envolve-se faria "exigências muito inconvenientes de mais
território colonial"1
Quando relutantemente no início de 1916 encorajaram os Portugueses a
requisitar os navios Alemães que se encontravam surtos nos seus portos,
sabiam que a Alemanha iria declarar guerra a Portugal, mas fizeram isto
porque se encontravam desesperados por aumentar a sua capacidade de
transporte naval. A posterior intervenção militar portuguesa em conjunto
com as tropas britânicas pouco contribuiu para melhorar o sentimento
britânico em relação a Portugal.
Pelo contrário, Londres ficou
muito irritada com a lamentável performace das forças armadas
portuguesas, primeiro em África e depois na Europa. O Comité Curzon, uma
subcomissão do Imperial War Cabinet, chegou ao ponto de recomendar em
Abril de 1917, que em vez de apoiar as exigências de Portugal sobre os
territórios coloniais Alemães a Grã-Bretanha deveria adquirir a África
Oriental Portuguesa (Moçambique), a Baía de Delagoa em particular e os
Açores2.
Apesar destas recomendações não terem
sido adoptadas pelo Imperial War Cabinet, a delegação britânica em Paris
em 1919 recusou suportar as exigências portuguesas sobre a parte Sul das
colónia oriental Alemã, concedendo apenas a Lisboa um pequeno território
a Norte de Moçambique, chamado "Triângulo de Kionga", que ajustava a
fronteira natural com o rio Rouvuma. Isto foi dado aos Portugueses como
"um acto de graça e de conveniência" de acordo com as palavras de Alfred
Milner3.
O desprezo com que Portugal era visto
pelo seu aliado Inglês durante a Grande Guerra era uma atitude que já
vinha do passado e que continuou no pós-guerra. Os governantes,
diplomatas e oficiais britânicos olhavam com desconfiança o sistema
parlamentar português, o qual aos seus olhos funcionava na base de
golpes, contra-golpes, intrigas e rumores políticos. Só muito mais tarde
com a implementação da ditadura do Estado Novo, chefiada por António de
Oliveira Salazar, é que Portugal começou a ganhar respeitabilidade
internacional. Os Ingleses antipatizavam e desprezavam os as causas e os
problemas da República e tinham uma visão muito critica sobre o caos e
instabilidade da vida social e politica portuguesa, a qual classificavam
como deplorável.
Sir Colville Barclay escreveu em 1929
que "…the
[Portuguese] nation, owing partly to the copious admixture of negro
blood and partly to a rather enervating climate, is physically, mentally
and morally degenerate. Some 80 percent of the population are either
tubercular or syphilitic, 60 percent are illiterate, and almost all are
incurably emotional, volatile and incapable of sustained effort or
logical thought.4".
Este comentário foi extremamente severo mas não muito longe do
nível de consideração que os Britânicos tinham dos Portugueses no início
do século.
Os Ingleses não apoiaram as
pretensões portuguesas na Conferência de Paz de Paris em 1919, negaram o
pedido de assistência para a recuperação económica que era devido pela
Alemanha por reparações de guerra, negaram a renegociação da dívida
contraída junto do governo inglês para suportar o esforço de guerra,
mostraram-se indisponíveis para estabelecer comunicações aéreas com as
colónias e o Brasil e mostraram-se relutantes em suportar a candidatura
de Portugal a um lugar no Concelho da Liga da Nações
Ocasionalmente o Estado português
queixou-se a Carnegie sobre a postura
britânica, como em Novembro de 1919, quando o Presidente da República
António José de Almeida afirmou que Portugal tinha feito enormes
sacrifícios em sangue e dinheiro, ao participar nas campanhas em França
e em África e que tinha perdido muito e ganho nada, nem o reconhecimento
do que tinha feito, apenas desprezo e indiferença5.
Na perspectiva da existência de um
sentimento de desprezo dos Britânicos perante os Portugueses e um
mal-estar dos Portugueses perante as atitudes dos Britânicos, é
extraordinário que a aliança Anglo-Portuguesa se mantivesse após a
Grande Guerra. No entanto ambos os países consideravam que ainda existia
alguma importância na manutenção da mesma. Para Portugal continuava a
ser a melhor garantia externa da sua integridade territorial, incluindo
colónias, e da independência nacional e para a Grã-Bretanha continuava a contribuir
para a estratégia de defesa global do Império Britânico.
Antes do início da Grande Guerra,
em 1912, o Almirantado, liderado pelo First Lord of the Admiralty,
Winston Churchill e o First Sea Lord, o príncipe Louis Battenburg,
estavam convictos que a Espanha era mais importante do ponto de vista
estratégico que Portugal e ordenaram uma revisão da Aliança com
Portugal. Como resultado o estudo reconheceram a importância estratégica
de diversas posições ao longo do mundo, onde realçava a posição das
Ilhas dos Açores, das Ilhas de Cabo Verde e da Guiné, no entanto,
concluía que a Grã-Bretanha não obtinha qualquer vantagem indirecta da
Aliança, a qual tendia a aumentar as responsabilidades sem aumentar o
poder e que não dava à nação inglesa qualquer vantagem directa de
suprema importância6.
Perante este resultado, o Foreign
Office, através de Sir Eyre Crowe, não aceitou a proposta de Winston
Chirchill, argumentando que através do rompimento da Aliança a
Inglaterra deixava de ter o direito legal para intervir e impedir outras
potências de ocupar territórios portugueses, incluindo as Ilhas
Atlânticas, ou seja, impedia que outras adquirissem direitos nas ilhas
portuguesas, excepto se entrassem em guerra com a Inglaterra e a
vencessem7.
Este argumento foi aceite pelo governo britânico tendo ficado
determinado que pertencia à Grã-Bretanha o direito de julgar as
circunstâncias em que deveriam auxiliar ou retirar o apoio a Portugal8.
A Aliança Anglo-Portuguesa era a
ancora da política externa portuguesa e os ingleses sabiam que, apesar
do Governo português apresentar uma incapacidade para gerir matérias
como o comércio e as finanças, notavelmente podiam contar sempre com o
apoio português em questões importantes. No entanto, consideravam que
este apoio representava mais um valor negativo que positivo, uma vez que
o Exército e a Marinha Portuguesa não representava qualquer valor
militar e que poderia colocar o estuário do Tejo ou as Ilhas Atlânticas
à disposição de potências inimigas.
O Foreign Office também levantava
sérias dúvidas sobre a capacidade e Portugal administrar o Império
Africano, que estava a ser uma fonte de problemas para a Grã-Bretanha,
em particular para os interesses da União da África do Sul. Consideravam
que se os Portugueses não colocassem a "casa em ordem", do qual não viam
sinal nem perspectiva, seria melhor em nome da "consciência do mundo
civilizado" que um dia Angola e Moçambique passassem a ser administradas
por qualquer outra potência e acreditavam que a União da África do Sul
seria o melhor sucessor para a administração destes territórios9.
Em Setembro de 1927, Austen
Chamberlain também instigou uma nova revisão do Tratado de Windsor,
porque este obrigava a lidar com exigências inconvenientes, por parte
dos portugueses, como o apoio da candidatura portuguesa para o Conselho
da Liga das Nações, sem se verificar que ganhos poderiam existir para a
Grã-Bretanha10.
Esta revisão dissipou quaisquer dúvidas que ainda existissem sobre a
importância de manter a aliança com Portugal. Ficou explicito que a
assistência de Portugal em tempo de guerra, independentemente da
ineficiência do Exército Português, tinha sido valiosa na Guerra dos
Boers e na Grande Guerra. A Aliança garantiu à Inglaterra a utilização
de bases no estuário do Tejo e nas Ilhas Atlânticas, navios, submarinos
e aviões. Ficou claro que teria sido muito perigoso e difícil se
Portugal se tivesse aliado à Alemanha, ou se tivesse optado por uma
neutralidade como a Suécia, o que poderia ter custado a guerra.
Esta visão suporta a posição de
1912, apresentada por Sir Eyre Crowe, que admitia que a quebra do
tratado seria problemática, uma vez que não tinham acontecido alterações
políticas e estratégicas, desde a decisão de defender e proteger as
colónias portuguesas em 1899 e que se o Governo Inglês denunciasse o
tratado, o Governo Português exigiria uma intervenção arbitral cujo
resultado seria sempre pior para a Grã-Bretanha11.
|