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Insubordinações Colectivas em França, 1917 - 1918

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Logo no primeiro ano, 1917, pela falta de rotatividade das tropas, entre a frente e a retaguarda, e da forma como eram dadas as licenças, começam a aparecer os primeiros sinais de cansaço psicológico, empolados pela indisciplina dos oficiais, pela forma discriminatória de como era aplicado o código de justiça militar e em muito pelo exemplo do que estava a acontecer nas tropas francesas.


A Indisciplina


Das situações registadas em Tribunal de Guerra, entre 1917 e 1918, a nível de praças encontram-se contabilizados 352 punições a praças e 165 a oficias.


A nível dos praças foram registadas 290 punições por deserção, se bem que parte das designadas "deserções" foram "ausências sem licença" e não fuga.


A nível de oficiais e segregando a classe dos Alferes dos restantes postos, verificaram-se 102 punições a Alferes e 63 em outras patentes. Refira-se que no ano de 1918, 21 dos Alferes punidos foram antes da Batalha de La Lys e 40 após, demonstrando um aumento de indisciplina. Apenas uma das punições a Alferes foi por cobardia e nove foram por "ausência sem licença" (Fraga, 2003:83-93).



O Fuzilado Português

Em 16 de Setembro de 1917 foi executado o soldado João Augusto Ferreira de Almeida, n.º 505, chauffeur do Batalhão do 23º Regimento de Infantaria. O local do fuzilamento foi a localidade de Picantin, próximo de Laventie, às 7horas e 45minutos da manhã.


Em Picantim, estiveram presentes o promotor de justiça do tribunal de Guerra, do Quartel-general do CEP. De acordo com o processo-crime todas as formalidades regulamentares foram cumpridas.


O processo começou quando, em 30 de Julho de 1917, o Capitão Mouzinho de Albuquerque mandou inquirir o soldado António Rei, para registar as declarações que tinha proferido sobre o soldado Ferreira de Almeida. Foi aberto um processo e convocadas nove testemunhas, sete soldados e dois sargentos.


Ficou lavrado como evidência que, em 29 de Julho de 1917, o soldado João Augusto Ferreira de Almeida, procurou saber o caminho para os alemães, declarando “que já fornecera dinheiro a um soldado para que lhe fornecesse essa informação” e que mostrou ter intenção de indicar aos alemães, depois de desertar, os locais das tropas portuguesas através de dois mapas que possuía.  Declarou ainda que não iria cumprir a totalidade da pena de 60  dias de prisão a que fora condenado, porque antes de  esta findar passaria para os alemães.


Estas declarações foram remetidas do Batalhão do 23º Regimento de Infantaria para o Juiz auditor, Joaquim de Aguiar Pimenta Carreira, a 7 de Agosto de 1917, a fim de que fosse emitido parecer nos termos do Artigo 337º do código do processo criminal Militar.


Foi concluído que o soldado João Augusto Ferreira de Almeida tentara passar para o inimigo, achando-se por isso incurso na caução do n.º 1 do Artigo 54º do Código de justiça Militar, que de acordo com Artigo 1º, do Decreto de 30 de Novembro de 1916, se aplica a pena de morte.


Com base nos elementos apurados o comandante do Corpo Expedicionário Português, General Fernando Tamagnini de Abreu e Silva, despachou para processo disciplinar com intuito de que o soldado João Augusto Ferreira de Almeida respondesse perante o Tribunal de Guerra e lhe fosse feita a aplicação da lei militar.


Foram determinados em tribunal como provados os seguintes crimes militares:


1º - Tentara passar para o inimigo, para o que perguntara a vários praças o caminho a seguir, chegando até a oferecer dinheiro com o fim de obter essa informação;


2º - Queria indicar ao inimigo os locais ocupados pelas tropas portuguesas, constando em duas cartas itinerários de que o praça era portador.


Foi marcado conselho de guerra, o qual foi presidido pelo Coronel António Luís Serrão de Carvalho, de Infantaria, que presidiu ao Tribunal de Guerra.


A sessão foi marcada para 15 de Agosto de 1917, em Roquetoire, e foi constituído pelo Presidente do Tribunal, Coronel António Luís Serrão de Carvalho, pelo Juiz auditor Joaquim de Aguiar Pimenta Carreira, pelo Júri constituído por cinco oficiais: Major Joaquim freire Ruas, Capitão Adriano Augusto Pires, Capitão David José Gonçalves Magno, Alferes Joaquim António Bernardino e Alferes Arnaldo Armindo Martins, pelo promotor Capitão Herculano Jorge Ferreira e pelo secretário Tenente José Rosário Ferreira.


Foram apurados em Tribunal os seguintes quesitos:


1º - O facto do arguido em 29 de Julho de 1917, encontrando-se na primeira linha, tentar passar para o inimigo perguntando a vários praças o caminho e oferecendo a uma praça dinheiro para que lhe prestasse essa informação;


2º - O facto de o arguido querer indicar ao inimigo os locais ocupados pelas tropas portuguesas, constantes de duas cartas itinerárias de que era portador;


3º - O mau comportamento do réu;


4º - O crime ser cometido em tempo de guerra;


5º - O réu ter cometido o crime com premeditação;


6º - O crime ter sido cometido, tendo o agente a obrigação especial de o não cometer;


7º - O estar provado perfeito conhecimento do mal do crime.


Sobre estes sete quesitos o júri pronunciou-se do seguinte modo:


1º - Provado por maioria, (viria a decidir a condenação);

2º - Provado por maioria;

3º - Provado por unanimidade;

4º - Provado por unanimidade;

5º - Provado por maioria;

6º - Provado por maioria;

7º - Provado por maioria.


Foi face aos autos e ao resultado das votações do Júri que o promotor de justiça acusou o réu, o soldado João Augusto Ferreira de Almeida, de no dia 29 de Julho de 1917, tentar passar para o inimigo e de querer indicar ao mesmo os locais ocupados pelas tropas portuguesas constantes de duas cartas itinerárias, de que era portador, cometendo assim o crime de traição, Artigo 54º, n.º 1 do Código de Justiça Militar, “será condenado à morte com exautoração o militar que passar, ou tentar passar, para o inimigo.


O defensor oficioso do soldado João Augusto Ferreira de Almeida recorreu da sentença para o General Fernando Tamagnini de Abreu e Silva, comandante do CEP, por quanto a pena de exautoração militar a que tinha sido ordenado tinha desaparecido da nova legislação militar, de 1911.


Ao recurso o Juiz auditor António Augusto de Almeida Azevedo pronunciou-se, dando deferimento e sendo marcada nova Sessão para ser preferida nova sentença por outro Juiz auditor, o que foi marcado para 12 de Setembro de 1917. Houve ainda outro requerimento, colocado pelo defensor oficioso, alegando insanidade, cuja intenção era de adiar o processo, mas que não obteve provimento.


Na Sessão de 12 de Setembro de 1917, o novo Juiz auditor, José Maria de Magalhães pais Pinheiro, articulando a sentença de forma semelhante à anterior, concluiu dar procedimento e que se encontrava provada a acusação e, consequentemente, condenava o réu à morte, com expulsão.


A16 de Setembro de 1917, em Picantim, o soldado João Augusto Ferreira de Almeida foi fuzilado. (Afonso, 2010:350-1).


De resto, o Tenente-Coronel Maia Pinto refere que sempre reinou a maior indisciplina possível no corpo de oficiais de Infantaria portuguesa e cita que:


"...quando depois de dois meses de indecisões e sob a pressão dos ingleses, o Estado-maior português se decidiu por fazer executar a sentença de morte em que tinha sido condenado o chauffeur português, que pretendera passar-se para os alemães, levando consigo documentos. Foi difícil encontrar um oficial português que se prestasse a comandar o pelotão de execução, pois todos se esquivaram a isso, sob diversos pretextos."


0 soldado João Augusto Ferreira de Almeida, alimentou até à última hora a esperança de não ser executado, pois muitos oficiais lhe garantiam que não o seria. Talvez por isto, a sua atitude foi de arrogância e zombaria até ao último momento, pois estava convencido que não seria executado. Quando viu que a sua execução era inevitável demorou-a quanto pôde, agarrando-se ao capelão que o acompanhava e que persistia em não se retirar do seu lado, e tirando constantemente a venda que lhe tinham posto sobre os olhos. Isto levou cinco minutos.



O Desertor Português

Um sargento que desertou em 1917 para lado dos alemães e a quem estes confiaram mais tarde o cuidado de guardar prisioneiros portugueses, foi para estes um verdadeiro algoz.


Quando voltou com os outros portugueses da Alemanha foi preso em Portugal. À data da informação encontrava-se preso a aguardar julgamento em Conselho de Guerra, mas sobre o castigo que se iria aplicar subsistiam hesitações.


Insubordinações Colectivas

Em 1918, o Corpo Expedicionário Português encontrava-se completamente desmoralizado. A avaliação da acção e do comportamento das tropas portuguesas em La Lys é de menor importância, uma vez que as condições físicas e psicológicas das tropas tornavam inevitável o desfecho.


A capacidade de resistência, ou a propensão para a fuga, em Abril de 1918, já não dependia da liderança do comando táctico local, mas apenas da capacidade individual de sobrevivência. Os que lutaram até morrer, os que lutaram até serem aprisionados e os que fugiram, não o fizeram por estoicismo ou cobardia, mas sim porque o nível individual de coragem se encontrava esgotado, ou não.


Um dos factores que contribuiu para a desmoralização e para os motins no Corpo Expedicionário Português foram as atribuições de licenças. Os soldados há meses que viam os oficiais a irem de licença a Portugal e a não voltarem.


A esta situação provocada pelo comando militar, existiram danos psicológicos derivados de um longo tempo passado nas trincheiras, as poucas licenças de descanso para os praças, a falta de transporte para Portugal, a falta de reforços vindos de Portugal, o Inverno de 17-18 muito rigoroso e o aumento da intensidade dos ataques alemães.


Acresce a questão da recusa de continuar a combater. O Corpo Expedicionário Português não estava imune às revoltas e motins que foram acontecendo no exército inglês e francês.


O motim no campo de treino inglês de Etaples, que durou entre 9 e 12 de Setembro de 1917, por causa das condições atrozes que eram infligidas durante a instrução militar aos novos recrutas e veteranos de guerra. Os contingentes portugueses também passavam por este campo de treino e terão tido conhecimento da situação se não mesmo presenciado.


O exército francês apresentava inúmeras revoltas desde 1917, motins em que onde os praças se batiam entre si e maltratavam oficiais. O nível de motins atingiu tais proporções que houve unidades que decidiram marchar sobre Paris, para derrubar o Governo e proclamar a paz.


O exército francês apresentava um nível de desmoralização geral, muito influenciado pela propaganda antiguerra feita pelos pacifistas, socialistas, anarquista e, porque não, a pela contrapropaganda alemã, mas pela análise dos locais onde se deram as principais revoltas, pelo desgaste derivado do tempo prolongado na "zona de combate" e pelo descrédito nos oficiais.


O volume de motins tomou proporções críticas, entre 30.000 a 40.000 amotinados. Destes, parte foram vigorosamente reprimidos com 528 fuzilamentos, sem contar com os que foram enviados em missões sem regresso que muitos oficiais utilizaram para se livrarem de elementos prejudiciais à disciplina.


Para a resolução desta situação Pétain tomou duas medidas, por um lado usou "mão de ferro" para sanar as revoltas, prendendo e fuzilando os cabecilhas, e por outro acedeu às reivindicações gerais dos militares, quando decidiu colocar o exército francês na defensiva até à chegada dos Americanos. (Ferro, 1969:231-34).


Esta decisão trouxe-se um impacte directo no sector inglês, revertendo as acções ofensivas de 1917 para a Flandres e por consequência para o sector português.


Todas estas situações externas ao CEP e as condições internas anteriormente indicadas, deterioraram consideravelmente o moral das tropas portuguesas. Neste contexto, o aparecimento de revoltas no interior do CEP tornou-se uma inevitabilidade, que apenas esperavam pelo momento desencadeador.


A ofensiva alemã da primavera de 1918 foi o acontecimento que fez desencadear o início dos motins, que durante o ano de 1918 contabilizaram-se em 18 revoltas e 6 tentativas de revolta, com mais ou menos gravidade, preconizadas pela arma de Infantaria e pela arma de Artilharia.


Entre Março e Julho de 1918

As revoltas que eclodem no período de Março a Maio são características de uma recusa generalizada de combater e são simultaneamente resultado do cansaço físico e psicológico a que os militares estacionados na zona da 1ª linha estiveram sujeitos. Reflectem também o ambiente geral no front e em particular a influência da atitude do exército francês em se recusar em combater. Deram-se 9 motins, entre o CEP e o CAPI, destacando-se os seguintes:


Flandres (17 de Março de 1918)


Em 17 de Março de 1918 dá-se o primeiro motim, quando praças do Batalhão de Infantaria n.º 13, Vila Real, se recusa a ir para a 1ª Linha, alegando fadiga física. A situação foi sanada internamente (Marques,2008:309).


Ferme du Bois (França, 4 de Abril de 1918)


Em 4 de Abril de 1918 dá-se um conjunto de 5 motins, todas interligadas, tornando-se uma das situações mais graves de indisciplina no CEP. Integradas nesta revolta estavam praças do Batalhão de Infantaria n.º 24, de Aveiro, que se recusaram a deslocar para a 1ª Linha e a obedecer a instruções para carregamento de material militar. A situação apresentou elevada gravidade tanto mais que os praças se apresentavam em acto de desobediência colectiva, o qual só depois de uma longa acção coerciva é que partiram para a 1ª Linha.


No final do dia, quando a 2ª Brigada ia substituir a 3ª Brigada que se encontrava na linha da frente, um dos seus batalhões revoltou-se, o Batalhão de Infantaria n.º 7, de Leiria, que se recusou a avançar e dispersou aos tiros, conseguindo instigar algumas praças do outro batalhão da Brigada, o Batalhão de Infantaria n.º 23, de Coimbra. A isto é de acrescentar que o Batalhão de reserva desta Brigada era o Batalhão de Infantaria n.º 24, de Aveiro, que se tinha revoltado no início do dia. O General Fernando Tamagnni de Abreu e Silva, comandante do CEP, viu-se obrigado a revogar a ordem de rendição da 3º Brigada.


Na manhã seguinte, 5 de Abril, quando já se faziam regressar ao acantonamento, o  Batalhão de Infantaria n.º 7, de Leiria, voltou a revoltar-se e fugiram para uma localidade próxima, Bouzigham, onde se entrincheiraram. O General Fernando Tamagnini ordenou o cerco da povoação pelos Batalhão de Infantaria n.º 21, da Covilhã, e Batalhão de Infantaria n.º 22, de Portalegre, e ainda solicitou duas peças de artilharia ao ingleses para bombardear os revoltosos e assim acabar com a situação. Antes de chegar a artilharia os cerca de 500 revoltosos, praças e oficiais renderam-se. Os revoltosos passaram a constituir um depósito disciplinar e os cabecilhas foram condenados. Do ponto de vista dos revoltosos venceram, porque conseguiram o objectivo, não serem colocados na 1ª Linha (Marques, 2008:309-11).


A revolta da 2ª Brigada e principalmente do Batalhão de Infantaria 7, foram o resultado da desmoralização em que o CEP se encontrava. Grande falta de oficiais, parte em licença "prolongara", o comando das unidades exercidas de forma interina, em que os há Batalhões a sere comandados por capitães, Companhias por tenentes e alferes, que na sua maior parte são milicianos. Os soldados estavam convictos que de Portugal não vinham oficiais e soldados porque o Governo não queria. Sentiam-se abandonados e exilados na Flandres. Por cada canto do front até à linha das aldeias corriam expressões como: "Portugal, rapazes, declarou a guerra à Alemanha mais ao CEP" e "A Alemanha declarou guerra a Portugal inteiro e não apenas ao CEP". A isto juntava-se o pouco apoio moral de muitos dos oficiais aos soldados, juntando "...a incapacidade duns,  o péssimo moral doutros, a atmosfera política negativa e contra a guerra para a Flandres venenosamente transportada..." contribuíram em muito para a desmoralização das tropas (Casimiro, 1920:20-1).


Outra situação que contribuía para a desmoralização eram as sucessivas rendições, que estavam a acontecer desde o início de Abril, logrando as expectativas de descanso, o desprezo a que Portugal parece ter votado as suas tropas, o sofrimento físico e psicológico, as saudades de casa diminuíam em muito a moral das unidades(Casimiro, 1920:34).


Flandres (5 de Maio de 1918)


Em 5 de Maio de 1918 o Batalhão de Infantaria n.º 34, Mangualde revolta-se.


Stembecque (21 de Julho de 1918)


Em 21 de Julho o Tenente-coronel José Martins Caiado de Sousa assumiu o comando do Batalhão de Infantaria n.º12, da Guarda, quando de imediato foi surpreendido com a insubordinação da unidade. Esta era uma situação que se vinha a preparar e que não esteve ligado à pessoa do novo comandante, mas sim à situação moral de todo o CEP. No entanto, é de referir que não foi uma revolta dos seu oficiais e praças mas sim dos homens que tinham sido transferidos de outras Unidades e do Depósito Disciplinar.  Não houve condições mais condições para operacionalizar esta unidade, tendo sido transferida a 23 de Julho para Isbergues.


Entre Setembro e Outubro de 1918

As revoltas que eclodem depois de Setembro de 1918 têm outras características. São resultado de terem colocado as unidades militares portuguesas a efectuar trabalhos de construção e manutenção de trincheiras para as tropas inglesas, colocando-as ao nível das companhias de trabalho indianas e chinesas contratadas como auxiliares do exército inglês (Labour Companies), e por terem enviado as unidades militares já veteranas para uma nova acção de instrução para as preparar, de novo, para o combate. A recusa de combater manteve-se até ao final da guerra.


Nestas revoltas o factor de solidariedade entre camaradas e de lealdade para com o Batalhão passou a ser o principal, e as reivindicações centram-se em pedidos como: justiça na distribuição de licenças e o regresso dos seus oficiais que se encontravam em Portugal.


Após a Batalha de La Lys é evidente a desmoralização total das tropas e a falta de motivação do comando em participar na ofensiva aliada. Chegou-se ao ponto em que os praças preferirem o castigo prisional de detenção no Depósito Disciplinar n.º 1, à liberdade junto às trincheiras.


Tenente-coronel Maia Pinto indica que, após a ofensiva alemã de Abril 1918, o CEP apenas conseguiu reconstruir uma pequena força de combate, ao nível de Batalhão, com elementos retirados aos antigos Regimentos de Infantaria que ficaram sob o comando de Hélder Armando dos Santos Ribeiro (oficial do exercito).


O CEP perdeu a capacidade de combate. O mesmo não sucedeu ao CAPI que foram utilizadas na frente de combate até à data do Armistício, 11 de Novembro de 1918. A Organização dos Batalhões de Assalto fora resultado do esforço de um grupo de oficiais: tenentes, capitães e majores, que das suas relações e do prestígio pessoal conseguiram colocar alguns batalhões na frente de combate.


Este estado de espírito levou a que mais de 50% dos nove Batalhões de Assalto, proposto pelo General Garcia Rosado ao General Birdwood, da Força Expedicionária Britânica, em 20 de Setembro de 1918, se viessem a insubordinar (Marques, 2008:311-13) e (Fraga, 2003:59).


Em 21 de Setembro, e desde o pedido de reforços de 5.000 homens por mês efectuado a 5 de Setembro pelo General Garcia Rosado, não havia por parte dos nossos aliados o menor obstáculo ao envio de reforços de Portugal para a França. Os batalhões do CEP desagregaram-se exaustos e abandonados por Lisboa. O esforço do General Garcia Rosado para por cobro à indisciplina teve o apoio de figuras importantes que se encontravam em França, como Bernardo de Faria,  D.José de Serpa, Helder Ribeiro e Ferreira do Amaral. A indisciplina foi fruto fatal do sistema de licenças e concessões extraordinárias que roubaram aos batalhões a quase totalidade dos oficiais que tinham acompanhado os homens até à frente de combate (Casimiro, 1919:111).

Chocques (França, 29 de Setembro de 1918)


Em 29 de Setembro de 1918, o Batalhão de Infantaria n.º 12, da Guarda, revoltou-se por solidariedade quando soube que alguns praças iriam se enviados para o Depósito Disciplinar n.º 1, por insubordinação. Houve ainda uma negociação entre com os praças de Batalhão de Infantaria n.º 35, de Coimbra, o que implicou que quando foi feito um pedido do pedido de auxilio por parte do comandante do batalhão da Guarda para acabar com a revolta, estes também se revoltaram em solidariedade.


A revolta do Batalhão n.º 35 foi contida prontamente pelos próprios oficiais. O motim do Batalhão n.º 12, e porque estes se encontravam entrincheirados no acampamento, armados com metralhadoras, durou 12 dias, findos os quais parte dos revoltosos foram enviados para o Depósito Disciplinar n.º 1 e parte para unidades inglesas com a finalidade de efectuarem trabalhos de defesa (Marques, 2008:311-13) e (Fraga, 2003:46-9).


A 3 de Outubro o General Garcia Rosado estava convencido que jamais chegariam reforço, tendo declarado: "Salvemos isto com o que temos!".  A 19 de Outubro envia um telegrama a Lisboa, onde indica que nos anteriores e sucessivos telegramas que tinha enviado alertava para a necessidade imediata de rendição da forças do CEP e que ao mantê-las em França poderia dar lugar a actos de indisciplina, que além de criar graves embaraços à acção do Comando do CEP, também colocava o País numa situação difícil. Neste último telegrama informa que infelizmente devido à não satisfação das anteriores solicitações o CEP vivia várias situações de insubordinação colectiva e individuais. Mais indica que todos os casos de indisciplina têm a mesma causa: a não vinda de reforços que permitam a rendição das forças e a impossibilidade de conceder licenças a praças. O General Garcia Rosado optou pela força e repressão com violência sobre os indisciplinados, como forma de modificar o comportamento de outros Batalhões, que ainda não incorporados em Brigadas Britânicas, apresentavam um baixo moral e falta de disciplina (Casimiro, 1919:112-4).


Os batalhões fieis da Flandres meteram na ordem os batalhões insubordinados pelo decreto do "roulement", pela convenção de Janeiro, pela revolução de 5 de Dezembro e pelos resultados da política externa do dezembrismo. O culminar de todos estes actos ocorreu no Bosque de Pacaut, onde correu sangue que marcará para sempre a História militar portuguesa. Augusto Casimiro baptizou o acto como os "fuzilados do Bosque de Pacaut" (Casimiro, 1919:326).


Paradis (França, 6 de Outubro de 1918)


Em 6 de Outubro de 1918, o Batalhão de Infantaria n.º 23, que se encontrava acantonado em Paradis, amotinou-se na sequência de boatos sobre uma partida para a frente de combate e o número de baixas que estavam os aliados a sofrer nesse sector. Os cabecilhas da revolta usaram lançamento de granadas, tiros e palavras de ordem, para incentivar a amotinação do Batalhão. Entre as palavras de ordem destacam-se “Estamos fartos de guerra e temos direito a ver as nossas famílias” e “Se o CEP todo fosse para a frente iriam também”.


Os revoltosos preferiam ser enviados para o Depósito Disciplinar n.º1 do que serem enviados para a frente de combate. O motim terminou com o envio dos militares que voluntariamente quiseram ser enviados para o Depósito Disciplinar n.º 1 (Marques, 2008:3135) e (Fraga, 2003:49-51).


Crox Marmuse (França, 15 de Outubro de 1918)


O Batalhão de Infantaria n.º 11, após os combates de 9, 10 e 11 de Abril de 1918, foi acantonado em Halinghem onde recebeu os restos dos efectivos do Batalhão de Infantaria 17, passando a ter a designação de Batalhões de Infantaria n.º 11/17. Em 16 de Maio passou para Ambleteuse, onde em 8 de Junho foi reforçado com os piores elementos de outros batalhões, seguindo para Inghen (Magno, 1921:93).


Em Setembro foram deslocados para Crox Marmuse, perto do Bosque Pacaut. À data também era identificado como VI Batalhão de Infantaria e encontrava-se em preparação militar para serem enviados para a frente de combate. É então que os elementos de reforço vindos de outros batalhões se revoltaram, primeiro de forma passiva não obedecendo às ordens de formatura, depois com o assalto às arrecadações de armamento e roubaram armas, munições, incluindo metralhadoras e entrincheiraram-se no aquartelamento. Os amotinados foram cercados por forças do Batalhão de Infantaria n.º 23, à data também designado IV Batalhão de Infantaria, e reprimidos de forma muito violenta, que incluiu tiro de metralhadora, tendo havido mortos, feridos, presos e desertores. A revolta durou 5 dias.


Com o abandono de medidas repressivas leves utilizadas anteriormente, sempre acompanhadas de admoestações e prisões, e se reprimiu a revolta colectiva com meios muito violentos, a acção alterou a vontade de agir dos revoltosos, não se tendo verificado mais motins até ao Armistício (Fraga, 2003:53-9).

Após o Armistício

Após o Armistício não voltaram a acontecer revoltas colectivas, porque em grande parte estas estavam baseadas na determinação de não combater. No entanto, a nível individual continuaram-se a verificar inúmeras situação de insubordinação individual e de delitos, que se prolongaram por 1919, até à repatriação final (PT/AHM/DIV/1/35/596 - Processos de averiguação, crimes e insubordinações, soldados e oficiais).


Como testemunho do moral das tropas portuguesas em França as memórias de João Chagas, nas suas notas de 2 de Fevereiro de 1919 refere-se à visita do Tenente-coronel Maia Pinto (Carlos Henriques da Silva Maia Pinto, oficial de artilharia) que se encontrava em Paris de licença e ao pedido de informação sobre a situação das tropas portuguesas estacionadas em França e sobre o estado de espírito das mesmas.


O Tenente-coronel Maia Pinto nas suas considerações foi muito reservado, não nos podemos esquecer da existência de uma censura activa, mas expressou que as tropas que ainda se encontravam em França, (02/02/1919), entre 25 a 30 mil homens, não estavam a fazer nada, apenas a aguardar pelo seu regresso a Portugal. Discrimina também que o número de oficiais que ainda se encontravam em França seria de aproximadamente 1200, de acordo com informação que lhe tinha sido transmitida pelos irmãos Olavo. (Carlos Olavo, Oficial de Artilharia, e Américo Olavo, Oficial de Infantaria, ambos feitos prisioneiros no dia 9 de Abril de 1918).


É interessante o reparo do Tenente-coronel Maia Pinto, quando se refere aos oficiais que já regressaram a Portugal: "...quanto aos que voltaram da Alemanha, não se recusa a crer que os maus tratos que ali sofreram tenham esfriado consideravelmente os seus entusiasmos pelos alemães.", se bem que exista uma interpretação política da mensagem, ou seja, a indicação de que os oficiais que já regressaram são pró Sidónio Pais, é de remarcar que a opinião sobre os alemães do II Reich não é genericamente muito negativa. José Hermano Baptista, nas suas memórias também refere: "... afinal os alemães não eram aqueles terríveis Boches que nos tinham habituado a tanto temer."


Refere, ainda, que em 9 de Abril de 1918, quando se deu a última grande ofensiva alemã, estava posicionado na retaguarda das forças, local onde presenciou a chegada dos militares que recuavam, mas também faz referência à existência de muitos núcleos de resistência que se mantiveram em combata até às 11 horas da manhã (4 horas de combate, após o início do avanço da infantaria alemã e mais 3 horas de tiro de artilharia preparatório em cima) e alguns até mais tarde.  Militarmente, o Tenente-coronel Maia Pinto explica que o que transformou o recuo das forças portuguesas em fuga foi a inexistência de linhas de apoio na retaguarda, mas na realidade existem razões mais fortes do foro da psicologia, da disciplina militar e da gestão logística de recursos. Ele assistiu à fuga e à informação prestada por José Bernardo Pereira Martins (oficial de infantaria ), que houve soldados portugueses que só pararam em Calais (Chagas, 1932).


Remarque-se mais uma vez que não existia efectivamente um ódio entre os portugueses e os alemães que se encontravam nas trincheiras à sua frente, tanto mais que existiam ordens "severas" que proibiam a confraternização com o inimigo.  Em nota do 1º Exército Britânico, GS1076, de 12/03/1918, foi dado conhecimento do seguinte:


"Os observadores Britânicos comunicaram que depois de repelido o inimigo com sucesso no Raid desta amanhã, tropas portuguesas e alemãs foram vistas no terreno entre trincheiras, enquanto parecia estar em progresso a recolha dos feridos inimigos. Como o Comandante do Exército deu ordens severas, para o caso de confraternização com o inimigo, ele deseja um relatório circunstanciado sobre o caso" (PT/AHM/DIV/1/35/119/4 - Confraternização com o inimigo. Carta dirigida ao Comandante da 2ª Divisão do CEP, em 13/03/1918).


Estas averiguações foram concluídas a 20 de Março de 1918, não tendo sido encontrando no Arquivo Histórico Militar cópia das mesmas.


Refira-se, ainda, que uma nota do 5º Exército Britânico de 11 de Novembro de 1918, do Lieutenant-General J. H. Davidson, dirigida ao General Garcia Rosado, indicava entre outras matérias a seguinte nota:


"There is to be no unauthorised intercourse or fraternisation of any description with the enemy. He will not be permitted to approach our lines and any attempt to do so will be immediattly stopped, if necessary, by fire. Any parties os enemy coming over to our lines under a white flag will be made prisoner and the fact reported to G.H.Q." (PT/AHM/DIV/1/35/119/4 - Confraternização com o inimigo. Carta dirigida ao Comandante da 2ª Divisão do CEP, em 13/03/1918).