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Cabo Verde na Grande Guerra

Ponto de abastecimento central para as rotas do Atlântico Sul

Os Governadores de Cabo Verde 1914-1918

Capitão-de-fragata Joaquim Júdice Bicker  

(Governador 1911-1915)                         


Capitão-de-fragata

Abel Fontoura da Costa     

(Governador 1915-1918)                           


Capitão de Cavalaria 7 Teófilo Duarte               

(Governador 1918-1919)


Porto de São Vicente

O Porto de São Vicente apesar de estar colocado estrategicamente a meio das rotas vindas da África do Sul (Cape Town) e do Brasil (Rio de Janeiro), tinha como concorrentes comerciais os portos espanhóis das Canárias situados a norte, Tenerife e Las Palmas, e os portos franceses de Marrocos situados em Casa Blanca a norte e de Dakar a Sul.

Tráfego nos portos espanhóis das Canárias (Espanha - País Neutro durante a Grande Guerra)

Tráfego no Porto Grande de São Vicente (Cabo Verde)

A localização natural do Porto Grande de São Vicente favorecia a função de porto de escala para o reabastecimento de combustível, tanto carvão como água e mantimentos frescos, para as rotas vindas do Oriente via África do Sul, como da América do Sul, Brasil e Argentina.


A utilização do porto de Casa Blanca ou de Dakar significava mais 18 horas de navegação para os navios que vinham da América do Sul,  acrescentando ainda as piores condições de navegabilidade desses portos comparrando com as do Porto Grande.


No entanto, o porto de Dakar apresentava uma melhor defesa militar do que o porto de São Vicente. A segurança em Dakar era assegurada por obras de fortificação, uma forte guarnição em terra e por várias unidades navais, adstritas ao comando do porto e sob o comando de um general do exército francês. As condições físicas do porto de Dakar tornava obrigatória a pilotagem para todas as embarcações que aí pretendessem fundear ou acostar aos cais (Almeida, 1938:92-3).

Uma segunda vantagem do porto de São Vicente encontrava-se no facto de se centralizarem em Cabo Verde as comunicações telegráficas e comunicações postais internacionais, que ligavam os países do hemisfério sul com os do norte. Acresce ainda que a rota Cabo Verde-Lisboa tinha ainda um ponto de apoio logístico se necessário na Ilha da Madeira (Almeida, 1938: 92-3).

Ilha de São Vicente - Vista da entrada do Porto Grande

Se por um lado o Porto Grande apresenta condições físicas excepcionais de navegabilidade e de ancoradouro para os navios fundearem ou acostarem em tempo de paz, a Grande Guerra de 1914-18 determinou-lhe a decadência mercê da falta de protecção e de meios militares de defesa passiva (redes, minas e paredões), que o tornavam num alvo fácil aos ataques de submarinos alemães.


Os vapores de passageiros, ou de carga, que rumavam através da rota da África do Sul, passaram a fazer escala em Dakar, que entretanto se tinha tornado num porto mais seguro, ficando apenas com alguns vapores que vinham da Argentina, que por falta de capacidade de paióis de carvão, ou por algum temporal, não conseguiam chegar às Canárias.


Mesmo depois de terminada a Grande Guerra o Porto Grande de São Vicente não voltou a ter mais a importância que tinha conseguido antes do conflito mundial.  Em 1924, dos 17.000 vapores que cruzaram as águas de Cabo Verde apenas 1.145 entram no Porto Grande de São Vicente para tomar combustível (Almeida, 1938:107-8).

A Estação Naval Militar de São Vicente

A Grande Guerra de 1914 a 1918, fez exceder todas as expectativas em relação à importância que os centros produtores mundiais longínquos viriam a exercer na obtenção de recursos de toda a espécie, desde homens a viveres e materiais de guerra.


A Entente, pela sua posição geográfica utilizou intensivamente os transportes marítimos o que implicou a necessidade de manter um domínio estratégico dos mares e a guarda e segurança das longas linhas de comunicação.  Para tal, eram necessários pontos de apoio onde os comboios de transporte ou unidades navais isoladas se pudessem acolher e reabastecer. Neste contexto, o Porto Grande de São Vicente, para além de ser uma estação naval estratégica para Portugal, também o era para os aliados. As suas condições físicas e localização tiveram grande valor militar, como porto de apoio e reabastecimento às unidades militares navais que exerciam a protecção das rotas do Atlântico Sul.


Até final de 1916 foram enviadas de Lisboa, em reforço das duas peças de 100mm já existentes, sucessivamente duas peças Krups 76mm, duas peças de 152mm Armstrong (desmontadas uma da fragata D. Fernando II e Glória e outra da canhoneira Zambeze), três peças Htochkiss 47mm para montar nos patrulhas e no rebocador e uma peça de 90 mm guarnecidas por pessoal da Armada para defesa do porto. foram ainda enviadas quatro peças de montanha Canet de 47 mm, para defesa da ilha entregues ao pessoal do Exército (Pereira, 2014:733).


A defesa do porto foi constituída por um posto de vigilância na Ilha dos Pássaros com duas peças de 76 mm, um posto fortificado com duas peças de artilharia de 100mm na ponta Norte (Ponta João Ribeiro) e um posto fortificado com duas peças de 152mm na ponta Sul (Ponta Morro Branco) da baía, um cabo de barragem entre as pontas da baía e um serviço de vigilância dentro do porto por duas vedetas.


A guarnição de marinha, 12 marinheiros e um oficial,  para a fortificação do Morro Branco e manejo das peças, chegou de Lisboa em finais de Novembro de 1915, comandada pelo 1º Tenente Joaquim Costa, que se manteve no comando até ao final da guerra. As obras de acesso à Ponta João Ribeiro, assim como a construção da fortificação durou quase todo o ano de 1916 (Silva, 1931:57-9 e 79).


Em Janeiro de 1917 chegaram as forças do exército requisitadas para a defesa da cidade e guarnição da fortificação da Ponta João Ribeiro. Composta por uma bateria de 4 peças de 76mm e 75 soldados, comandadas pelo Capitão João Sequeira e uma companhia de infantaria, aproximadamente 200 soldados, comandada pelo Capitão Paulo Mendes. As peças de 100mm e 152mm, que eram de modelos antiquados foram substituídas pelas peças de 76mm então chegadas (Silva, 1931:110-111).

Companhia de Infantaria de defesa de São Vicente em parada, quando da chegada do Governador da Província de Cabo Verde, o Capitão-de-fragata Fontoura da Costa, a bordo do vapor "Luanda", em Novembro de 1917.


Em Janeiro de 1918, com a chegada da Canhoneira "NRP Beira" verificou-se um reforço da defesa naval do porto, assim como um reforço do dispositivo em terra. foi montada uma segunda bateria de artilharia de marinha constituída por 2 peças Hotchkiss de 47mm a que se juntou uma terceira peça de 90mm, trazida pela "NRP Beira" de Dakar.  A guarnição do posto de vigilância do Ilhéu dos Pássaros era constituído por 1 sargento e 9 praças (Inso, 2006:128 e 131).

A Defesa de Cabo Verde

Os meios da base naval de São Vicente foram reforçados logo no início da Grande Guerra, ainda durante 1914. No seu máximo a força naval em Cabo Verde teve as seguintes unidades:


Cruzador:

"NRP São Gabriel": (de 8 de Setembro a 2 de Dezembro de 1914).


Canhoneiras:

"NRP Beira": (de 11 de Setembro a 2 de Dezembro de 1914); (de 14 de Dezembro de 1915 a 17 de Julho de 1917);  equipada com duas peças de 65mm e duas peças de 47mm.


(26 de Janeiro 1918 a 3 Março de 1919). A canhoneira quando regressou a Cabo Verde vinha pintada com camuflagem de guerra, equipada com a peça de proa de 90mm, em substituição da 65mm, e com dois lançadores de bombas contra submarinos.


NRP Beira, 1918 ,São Vicente

NRP Beira, 1918 ,São Vicente

"NRP Ibo": (de 12 de Novembro de 1914 a 2 de Abril de 1918), equipada com duas peças de 75mm, duas peças de 47mm e 2 metralhadoras.


"NRP Bengo": (de 5 de Maio de 1918 a 7 de Abril de 1919), equipada com uma peça de 90mm, 4 peças de 47mm e dois lançadores de cargas anti-submarinos.


Patrulhas:

"NRP Fendele": (1918) equipado com uma peça Hotchkiss de 47mm


"NRP Mindêlo":  (1918) equipado com uma peça Hotchkiss de 47mm


Rebocador:

"NRP Brigadeiro Berreiros".(1914 a 1918), equipado com uma peça Hotchkiss de 47mm

Entre 1914 e 1916

A canhoneira "NRP Ibo" partiu de Lisboa a 24 de Agosto de 1914, para a sua missão de protecção do arquipélago de Cabo Verde.


Em 9 de Setembro de 1914 saíra do Tejo, o cruzador “ NRP São Gabriel” com destino a São Vicente (Cabo Verde), onde se manteve em serviço de vigilância até 19 de Novembro de 1916, data em que seguiu para Luanda em missão de escolta a dois transportes de tropas.


A 19 de Setembro de 1914 chegam ao Porto Grande de São Vicente as canhoneiras "Beira" e “Ibo”, que ficam aí fundeadas, passando ambas a fazer a protecção da zona naval do arquipélago. No entanto, a canhoneira "Beira" acompanha o comboio com as forças da primeira expedição a Angola,  mas regressou à base naval de São Vicente a 1 de Outubro. A Canhoneira "NRP Bengo" e o rebocador "NRP Brigadeiro Barreiros" já se encontravam em Cabo Verde.


A 22 de Novembro de 1914, seguiu de Lisboa para São Vicente, a bordo do vapor “Cazengo”, uma força expedicionária de Marinha para reforço da defesa da base naval.


A 23 de Fevereiro de 1916, quando Portugal decide pela apreensão de todos os navios mercantes alemães e austro-húngaros fundeados em portos nacionais, a fim de serem colocados ao serviço da "causa comum luso-britânica", encontravam-se no Porto Grande de são Vicente 8 navios alemães: "Beta" (Maio), "Burgmeister-Hachmann" (Ilha do Fogo), "Dora Horn" (S. Nicolau), "Heimburg" (Santo Antão), "Santa Bárbara" (Santiago), "Theoder Wille"  (Boa Vista), "Fogo" (Brava) e "Wurzburg" (S. Vicente). Parte destes navios foram cedidos aos ingleses, mas navegando com bandeira e tripulação portuguesas. Alguns foram posteriormente cedidos aos francesas, mantendo as tripulações e a bandeira portuguesa (Inso, 2006:26-9).


Desde Março de 1916 até 19 de Dezembro de 1916, o Porto Grande de São Vicente alojou uma Base Naval Britânica, que serviu para apoio e abastecimento à 9ª Esquadra de Cruzadores do Atlântico Sul, do Almirante Gordon Moore. A missão desta esquadra inglesa era o patrulhamento do Atlântico Sul, desde as Canárias até à Costa da América do Sul e Golfo da Guiné. Entre os cruzadores que compunham a esquadra, encontrava-se o "HMS Suttlej", o "HMS Swiftsure", o "HMS Donegal", o "HMS High-Flyer", o "HMS Kent", e o "HMS Berwirk". Mais tarde o "HMS Suttlej" foi substituido pelo "HMS King Alfred". Esta esquadra também se encontravam vapores armados, com a função de cruzadores auxiliares, como o "HMS Marmora" e o "HMS Albermale Castle".


Encontravam-se sempre fundeados, pelo menos três cruzadores mais o navio almirante, que praticamente foi ali residente até 19 de Dezembro de 1916, data em que os últimos navios ingleses, os carvoeiros da esquadra, o navio-oficina e os cruzadores, "HMS King Alfred e "HMS Donegal",  saíram do Porto Grande em direcção à base militar naval de Freetown na África Ocidental Britânica, actual Serra Leoa (Silva, 1931:47-76).


Sua localização geográfica entre a Europa, América do Sul e passagem obrigatória para o Sul da África, abrangia as principais rotas do Atlântico Sul. Acrescia outro factor estratégico a estação de cabos submarinos localizada na localidade Mindelo.


Com a saída da esquadra inglesa do Porto Grande, este perdeu quase todo o seu trafego, que tinha atingido uma entrada de 13 navios diário em média, com uma lotação de 40 navios em média. O trafego de carvão chegou a atingir 50.000 toneladas mês em Junho de 1916. Grande parte deste movimento foi devido ao transporte de tropas australianas para e cereais vindos da Argentina para a Europa (Inso, 2006:126).

1º Ataque ao Porto Grande de São Vicente - 4 e 5 de Dezembro de 1916

A 4 de Dezembro de 1916, durante a vigilância nocturna do porto de São Vicente, a "NRP Ibo" veio às águas exteriores do porto, até junto do vapor "Moçambique" que se encontrava fundeado. Depois de dar ordem ao vapor "Moçambique" para entrar no porto e de ter regressado à baía, os marinheiros de vigia na canhoneira distinguiram o casco de um submarino emerso a entrar na baía.


A "NRP Ibo" arrancou de imediato ao encontro com o inimigo, com a intenção de o abalroar. Abriu um intenso fogo contra o submarino e acendeu um facho vermelho, como sinal de alarme de presença de inimigo. O fumo, o fogo das peças e do facho vermelho eram tão intensos, que a tripulação da canhoneira "NRP Beira", que estava acostada no porto, chegou a pensar que a "NRP Ibo " se tinha incendiado e largou de imediato em seu auxílio.


O submarino ao se aperceber do ataque mergulhou, acabando a cobertura de água por fazer de protecção aos tiros sucessivos que eram disparados sobre o seu casco. O submarino rodou submerso dentro da baía e fugiu rente ao fundo, pela espuma, algas e detritos que sobrenadaram. Pensa-se que teria a intenção de rocegar o cabo submarino de comunicações  que aí se encontrava amarrado (Silva, 1931:83-87).

O navio "Moçambique" e os seus 500 soldados repatriados e a grande quantidade de material de guerra de África que se encontrava a bordo foram salvos. O submarino já longe do porto, em mar aberto começou a emergir, mas a canhoneira "NRP Beira" que tinha saíull ’do em apoio da "NRP Ibo" encontrava-se perto e começou a disparar sobre o submarino. Este voltou a submergir e não foi mais visto. Provavelmente seria o submarino U-47, comandado por Heinrich Metzger, que tem registado um afundamento na zona, naquela data (Silva, 1931:90).

Para a defesa da Ilha de São Vicente e do cabo submarino, foi desembarcado um contingente de 80 praças e três oficiais  do Batalhão de Infantaria n.º 23, comandadas pelo Capitão António Joaquim Ferreira Diniz,  que se encontravam a bordo do vapor "Moçambique". Estas faziam parte do contingente de repatriados que seguiam para a metrópole, encontrando-se muito afectados por doenças. No entanto e apesar das condições de saúde, abriram trincheiras e preparam posições defensivas com vista proteger o Porto Grande de um eventual desembarque de surpresa (Ilustração Portuguesa n.º 579, de 26 de Março de 1917, p. 260)

Tropas do BI23 desembarcadas a 5 de Dezembro de 1916 para defesa do Porto Grande

 

Entre 1917 e 1918

2º Ataque ao Porto Grande de São Vicente - 9 de Fevereiro de 1917

A 9 de Fevereiro de 1917, ao anoitecer, foi avistado pelos vigias do Ilhéu dos Pássaros um submarino inimigo dentro do canal. Dado o alarme, a "NRP Ibo" procurou o submarino tendo encontrado a esteira e identificado o local onde este terá submergido. Também contribuiu para que o submarino se afastasse os tiros efectuados por uma das peças de 76mm do posto do Ilhéu dos Pássaros (Silva, 1931:111).

3º Ataque ao Porto Grande de São Vicente - 2 de Novembro de 1917

A 28 de Outubro chegou uma comunicação da presença de um submarino alemão entre Dakar e Cabo Verde, e sendo o porto de São Vicente escala dos navios brasileiros em trânsito para a Europa, era muito provável que se tornasse um porto de ataque à frota mercante brasileira.


No dia 1 de Novembro, a "NRP Ibo " encontrava-se em vigilância extrema, tendo circundado a Ilha e observado o fundeadouro de Santa Luzia, local muito suspeito e com boas condições para ocultar um submarino inimigo.


Pela 7 da manhã, do dia 2 de Novembro, foram disparados dois torpedos para dentro do Porto Grande de São Vicente pelo submarino U-151, comandado Waldemar Kophamel, a uma distância de 450 e 300 metros dos alvos, que atingiram os navios brasileiros "Guahyba" e "Acary" ao nível da linha de água, provocando grandes explosões e o afundamento destes.


A canhoneira "NRP Ibo" que se encontrava acostada em abastecimento largou logo que obteve pressão e navegou em perseguição do submarino entre os destroços que flutuavam pelas águas do porto. O submarino entretanto ao ver a "NRP Ibo" a aproximar-se submergiu e com um 30m de água sobre o casco ficou imune a qualquer tiro que sobre ele se fizesse.


O submarino U-151 manteve-se escondido por alguns dias, mas na noite de 7 de Novembro, com alguma ousadia acostou dentro do porto ao navio holandês "Kennemerland", que na verdade era um navio espião alemão, mas foi prontamente repelido a tiro, que o fez  mergulhar e fugir.


O submarino alemão manteve-se ainda até ao dia 14 de Novembro, quando desapareceu de vez das águas de São Vicente, tendo se dirigido para as águas da Madeira, onde voltou a fazer um afundamento no dia 16 de Novembro de 1917, o navio americano "Margaret L. Roberts" (Silva, 1931:131-141).


Em Fevereiro de 1918, chegou a São Vicente a Canhoneira "NRP Beira". O seu comandante, o Primeiro-tenente António Alemão de Cisneiros e Faria, que também assumiu o Comando Central da Defesa Marítima, reorganizou a defesa do Porto Grande, reforçando o sistema defensivo com uma barragem constituída por três panos de redes, num comprimento total de 2.340 m, com 52 minas e três barcaças onde se encontravam instaladas as baterias eléctricas por acumuladores. Ao serviço de barragem ficaram adstritos 1 oficial, 2 sargentos e 6 praças, auxiliados por numerosos civis.


A instalação das barragens assegurou a defesa dos cabos submarinos e permitiu que em Setembro de 1918, chegassem a entrar 80 navios de alto bordo em segurança no Porto Grande e se tivessem formado dois comboios, um de 24 navios e outro de 19 navios, escoltados por cruzadores auxiliares ingleses, dirigidos à Europa.


Com a acção do Comandante Cisneiros e Faria o porto de São Vicente foi revitalizado, conseguindo retomar o abastecimento de carvão a navios, que inclusivamente tinha sido abandonado pelos navios nacionais em detrimento de Dakar. As condições de defesa do Porto Grande também permitiram operações conjuntas de patrulha das águas de Cabo Verde, com navios patrulhas franceses e brasileiros (Inso, 2006:132-5).

Cabo Verde como Centro de Comunicações do Atlântico Sul

O posto de radiotelegrafia da Cidade da Praia (Cabo Verde), foi inaugurado em 1912. Em 1916, era operado pelo radiotelegrafista Alberto Carlos de Oliveira, que no decorrer Grande Guerra serviu de intermediário entre a Esquadra Inglesa no Atlântico Sul e o Almirantado em Londres, através da transferência das mensagens que chegavam por cabo submarino ao arquipélago de Cabo Verde e retransmissão via TSF.


O posto TSF de São Vicente também era de importância vital para a comunicação militares e civis com as colónias portuguesas, o que levou a que o Governo da República , após ter decretado ma metrópole a 26 de Abril de 1916, a censura postal, (Decreto n.º 2352), a 27 de Abril tenha sido recebido por telegrama, proveniente do Ministério das Colónias/Direcção Geral das Colónias, na Província de Cabo Verde ordem para a instalação de um serviço de censura a telegramas e rádio telegramas particulares de, ou para, em trânsito nas colónias portuguesas. O serviço de censura ficou operacional a partir de 1 de Maio de 1916.


A ordem recebida em 27 de Abril de 1916, pelo Governo da Província de Cabo Verde, foi publicada no Boletim Oficial de Cabo Verde n.º 18, de 29 de Abril de 1916, determinava a instalação do "Serviço de Censura" a partir de 1 de Maio, a telegramas e rádio telegramas particulares de, para ou em trânsito nas colónias portuguesas. (Portaria n.º 234, - Vistas as disposições do decreto n.º 2 465, de 22 de Junho do corrente ano que mandou vigorar nas colónias o decreto 2 352, de 20 de Abril pretérito, ambos referentes à Censura Postal estabelecida pelo Governo da República para vigorar enquanto durar o estado de guerra).

Militares portugueses sepultados no Cemitério do Mindelo

Na Ilha de São Vicente encontram-se sepultados 19 militares do Exército e Armada, cujas campas estão datadas entre 1917 e 1918. Esta preciosa informação sobre os militares falecidos em Cabo Verde, foi recolhida no Arquivo do Registo Civil de S. Vicente pela Doutora Lia Cordeiro Lima Medina, professora universitária da Universidade de Coimbra (Ver: Blogue de Luís Graça e Camaradas da Guiné).


As listas de combatentes sepultados pelo mundo é mantida pela Liga dos Combatentes, no âmbito do seu trabalho de Conservação das Memórias.


Exército


ANASTÁCIO - Soldado nº 93 da 9ª Companhia de Infantaria [do Regimento de Infantaria nº 24,  Aveiro ?], de 22 anos, natural de Pondilho [, possivelmente Pardilhó, Estarreja], filho de Joaquim Rachado e Maria Luiza, faleceu de causa não referida em 17 de Janeiro de 1917.


ANTÓNIO RODRIGUES SACRAMENTO - Soldado nº 317 da 11ª Companhia de Infantaria  [do Regimento de Infantaria nº 23,  Coimbra ?], de 24 anos, natural de Coimbra, filho da Leonor Roza, morreu de causa não referida em 24 de Novembro de 1917. Registo nº 448 do Livro 8.


ANTÓNIO JOSÉ ALVES - Soldado nº 631 da 10ª Companhia de Infantaria  [do Regimento de Infantaria nº 29,  Braga ?], filho de Manuel João Alves e Rosa de Araújo, natural de Valdevez, não refere a causa e data de falecimento. Registo nº 289, do Livro 9 página 138.


JOÃO MARIA FRANCO - Posto e unidade não referenciados, de 20 anos, natural da freguesia de Santa Eulália, Elvas, filho de Manuel Maria Franco, faleceu em 15 de Outubro de 1918.


MARCELO INÁCIO BRANCO - Soldado nº 17 da Companhia de Infantaria [ do Regimento de Infantaria nº 22,  Portalegre ?], nº 22, de 25 anos, natural de Santa Eulália, Elvas, filho de João Santos Baptista Branco e Maria Joana Paulares. Faleceu em 18 de Outubro de 1918.


ANTÓNIO VENTURA CARDOZO - Soldado nº 6 da 10º Companhia de Infantaria [do RI nº ?], de 27 anos, natural de Elvas, filho de Ventura Manuel Cardozo, não refere a data de falecimento. Registo nº 634 do Livro 10.


MANUEL DOS REIS CORREIA MODESTO - Tenente, de 58 anos, natural de Albufeira, filho de Francisco Correia Modesto, faleceu em 19 de Outubro de 1918.


JOSÉ FRANCISCO FARIA - Soldado, sem referencia à unidade, de 25 anos, casado, natural da Metrópole, filho de José Inácio Faria e Catarina da Conceição, faleceu em 24 de Outubro de 1918. Registo nº 696 do Livro 10, página 162.


JERÓNIMO BEMVINDO - Alferes de Infantaria, unidade não referida, de 38 anos, casado, natural do Porto, filho de Joaquina Maria Pinto Barroso, faleceu em data não indicada. Registo nº 747 do Livro 10.


Marinha - Canhoneira Beira


JOSÉ DE JESUS COELHO - Marinheiro da Armada, tripulante da Canhoneira Beira, idade não referida, casado, natural de Tavira, filho de Francisco José Coelho e Maria da Conceição, faleceu de causa não referida em 7 de Outubro de 1918. Registo nº 416, Livro 10 página 22.


JOSÉ JOAQUIM GRAÇA - Marinheiro da Armada, tripulante da Canhoneira Beira, de 20 anos, natural da freguesia de Santa Maria, Lagos, filho de Joaquim da Costa Graça, faleceu em 10 de Outubro de 1918. Registo nº 443, Livro 10.


ALBERTO AUGUSTO MELO - 2º Artilheiro nº 5271 da Canhoneira Beira, de 25 anos, natural da freguesia de Santa Catarina, Lisboa, filho de Samuel Gomes de Melo e Carolina Augusta da Silva, faleceu a 11 de Outubro de 1918.


CÂNDIDO ANTÓNIO RAMOS - 2º Artilheiro da Canhoneira Beira, de 21 anos, natural da freguesia de São Sebastião, Setubal, filho de António Ramos e Maria José, faleceu em 12 de Outubro de 1918. Registo nº 506 do Livro 10.


ANTÓNIO FORTES - 1º Grumete nº 5487 da Canhoneira Beira, de 20 anos, filho de José António Fortes, faleceu em 13 de Outubro de 1918. Registo nº 514 do Livro 10.


MANUEL JOAQUIM MOREIRA DOS SANTOS - 2º Marinheiro da Armada nº 4371, de 24 anos, natural de Paredes, [distrito do] Porto, filho de Manuel Moreira dos Santos e Ana Brito Ferreira dos Santos, faleceu em 20 de Outubro de 1918.


GUILHERME PEREIRA ORGANISTA - 1º Grumete da Armada nº 5063, de 23 anos, natural de Vila Nova de Gaia, filho de José Pereira Organista e Maria Rodrigues da Costa, faleceu em 20 de Outubro de 1918.  


JOÃO ALVES - 2º Marinheiro da Armada nº 3655, de 24 anos, natural de Coimbra, filho de António Rodrigues Filipe Alves e Margarida de Jesus Alves, faleceu em 23 de Outubro de 1918. Registo nº 696 do Livro 10, página 162.


JOÃO BATISTA - Cabo Artilheiro nº 2968 da Canhoneira Beira, de 39 anos, natural de Cortes, concelho de Marcos (?) [ou Macedo ?] de Cavaleiros [ou Marco de Canaveses ?], filho de Manuel António e Libânia dos Santos, faleceu em 30 de Outubro de 1918. Registo nº 733, Livro 10.


Marinha - Canhoneira Bengo


LOURENÇO BEIJAME - Artilheiro nº 5704 da Canhoneira Bengo, de 22 anos, natural da freguesia de São Lourenço de Maiorca, Alcobaça, filho de António Beijame e Francisca Maria, não consta a data do falecimento.

Bibliografia


Martins, Ferreira (1934), Portugal na Grande Guerra, Vol. II, 1º ed., Lisboa,Empresa Editorial Ática.


Almeida, João de (1938), O Porto grande de S.Vicente de Cabo Verde, 2ª ed., Lisboa, Editorial Império , Lda.


Silva, Henrique Corrêa da (Paço d'Arcos), (1931), Memórias de Guerra no Mar, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra.


Mendes, José Agostinho de Sousa (1989), Setenta e Cinco Anos no Mar, (1910-1985), Vol. I - I/II/III Partes, Lisboa, Comissão cultural da Marinha.


Inso, Jaime Correia do (2006), A Marinha Portuguesa na Grande Guerra, Lisboa, Comissão Cultural da Marinha, (ISBN: 972-8004-86-9)


Araújo, Johny Santana (2014), “Guerra que terminar todas las guerras”: Brasil en la Primera Guerra Mundial – la movilización de la sociedad y participación de la Marina de guerra – 1917 - 1918, in História: Debates e Tendências – v. 14, n. 2, jul./dez. 2014, p. 318-333.


Exposição Museu de Marinha, "Apresamento dos Navios Alemães, Acção Naval & Casus Belli", Coordenação do comandante Carlos Valentim. Lisboa, Fevereiro 2016.


Pereira, José António Rodrigues (2014), "A Marinha na mobilização militar para África",  Revista Militar N.o 2551/2552 - Agosto/Setembro 2014, pp 721 - 740.

Torres, A. Sousa; Soares, J.M. Pires (1946), Formações sedimentares do Arquipélago de Cabo Verde, Memórias Série Geológica III, Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Oficicas Gráficas da Casa Portuguesa.






Marinha Brasileira em Cabo Verde 1918

O Brasil organizou uma Divisão Naval de operações de guerra (DNOG) que enviou para a Europa, como esforço de guerra contra a Alemanha.

Partiu em Março de 1918 com destino à Base Naval britânica de Gibraltar. Rumou primeiro em direcção a Dakar onde foi colhida pela gripe pneumónica e a obrigou a aí permanecer inoperacional quase até ao final da Grande Guerra.

Como a Esquadra estava envolvida com os problemas de gripe, o Almirantado britânico requisitou o envio de uma unidade em auxílio da força naval portuguesa estacionada em Cabo Verde e que também estava a passar pelo mesmo problema de gripe. A razão de tal solicitação deveu-se à situação de terem sido assinalados submarinos alemães nas águas de Cabo Verde.

O único navio em condições de operar e cumprir a solicitação britânica era o contratorpedeiro Piauí que tinha a sua guarnição reforçada com praças e oficiais de outros navios da DONG.

No dia 09 de Setembro, o contratorpedeiro Piauí que rumava a Cabo Verde contava com 20 gripados na sua guarnição e ao chegar ao seu destino, quando atracou junto à canhoneira NRP Beira, verificou que aquela unidade naval também apresentava engripados a bordo. O ciclo da gripe não foi igual em ambos os navios e quando os brasileiros começaram a melhorar, os portugueses ainda estavam a piorar.

O contratorpedeiro Piauí concluiu a sua missão junto da força naval portuguesa a 19 de Outubro 1918, data em que regressou a Dakar e se juntou à DONG (Araújo, 2014: 329).

Guarda-Marinha Carvalho Lima. Imediato da canhoneira NRP Beira  que procedeu em são Vicente à captura do vapor "S. Nicolau"

Na época em que a maior parte dos navios comerciais transcontinentais utilizavam carvão como combustível, o Porto Grande de São Vicente tornou-se num dos principais depósitos de hulha negra do Atlântico Sul.


Outro factor que colocava esta ilha de Cabo Verde como um ponto estratégico do Atlântico Sul era a amarração do "cabo submarino", na realidade nove cabos, que se amarrava junto à localidade Mindelo, na ilha de São Vicente.


Constituía-se assim um nó base das comunicações intercontinentais do Hemisfério Sul, tanto pela existência do depósito de carvão como pela localização da estação telegráfica, ambas as facilidades pertencentes a firmas britânicas que aí se tinham estabelecido, antes da implantação da República.


Dentro do seu triângulo estratégico, formado pela Base de Lisboa e as Estações Navais dos açores e de Cabo Verde, ficava então o vertice sul esta Ilha de São Vicente. Visto como vantagem estratégica para Portugal e seu aliados, não podia deixar de ser considerado um alvo por parte da Alemanha.



Anteriormente à unificação dos estados alemães de 1871, a Prússia já demonstrava interesse por desenvolver um levantamento hidrográfico mundial, tendo iniciado o mesmo pelo Mar do Norte, Báltico e Canal da Mancha, áreas geográficas de importância imediata. Data de 1861 um primeiro gabinete dentro do Ministério da Marinha, que após a unificação da Alemanha deu origem ao Instituto Hidrográfico Alemão (1879)., com sede no observatório naval de Wilhemshaven, futura base dos submarinos alemães.


Se bem que os estudos náuticos não tenham incidido sobre o Atlântico Sul, podemos considerar que a marinha alemã obteve um reconhecimento detalhado do Arquipélago de Cabo Verde através das missões do Prof. Doelter, em 1882, em que estudou detalhadamente a geografia do arquipélago e aspectos geológicos, em especial nas ilhas de Santo Antão, São Vicente e Maio, (Torres, 1946:30-31) e posteriormente do Prof. Immanuel Friedlaender, em 1912, (Torres, 1946:32) onde foi efectuado um levantamento sobre o clima, população e geografia do arquipélago, refira-se com especial incidência sobre as mesmas ilhas. Não se pode ignorar que este tipo de estratégia era utilizada sistematicamente pelos alemães. existindo um bom exemplo com a acção do navio oceanográfico alemão, Meteor, em 1925, com o pretexto de uma realização de estudos e sondagens cientificas e que na realidade efectuou um reconhecimento militar do Porto Grande de São Vicente, (Almeida, 1938:9).