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A 1ª Esquadrilha de Submarinos e a Defesa do Tejo

Introdução

Durante o conflito de 1914-1918 Portugal, em especial as suas portas de entrada oceânicas, esteve sujeito a restrições comerciais e de segurança. Os efeitos da guerra tiveram um reflexo directo no fluxo comercial marítimo, cujos efeitos consignaram o mesmo resultado que um bloqueio naval.


Esta quebra comercial marítima foi reflexo da guerra submarina alemã sem restrições e também do bloqueio naval de superfície aliado. Portugal enquanto país deficitário, no que se refere à auto-suficiência, necessitava prementemente de garantir a livre circulação de pessoas e mercadorias junto aos seus portos continentais e insulares para sobreviver.


Para garantir a defesa nacional, a Divisão Naval de Defesa sediada em Lisboa cumpriu um leque variado de missões, desde patrulhas de costa e de alto-mar, até a escoltas de transporte de tropas e de mercadorias para África ou para a Europa. Em terra o Campo Entrincheirado de Lisboa com a sua artilharia costeira efectuou um complemento táctico do sistema de defesa do Tejo.


Até que ponto a defesa naval portuguesa esteve à altura das necessidades nacionais, como se desenrolou a assistência naval aliada no cumprimento da defesa costeira e defesa da livre circulação de pessoas e mercadorias nas águas territoriais, qual o apoio logístico oferecido a Portugal em troca da sua colaboração no âmbito da intervenção na Grande Guerra e até que ponto a sua posição geográfica continental e insular jogaram a favor da soberania nacional, são questões em analise no âmbito da investigação em curso, sendo que nesta comunicação nos propomos realçar o papel da 1ª Esquadrilha de Submarinos na defesa do Tejo.


Síntese da Evolução da Doutrina Naval no Início do século XX

O Plano Naval de Álvaro Nunes Ribeiro – 1908

Nasce de um trabalho realizado por um grupo de jovens oficiais da Armada, entre Maio de 1906 e Junho 1908, cujas conclusões foram apresentadas por Álvaro Nunes Ribeiro numa conferência na Liga Naval Portuguesa a 2 de Junho de 1908. O trabalho representou um diagnóstico da situação da Armada com o intuito de expor um plano de reformas a aplicar à estrutura naval da marinha de guerra portuguesa. Apresentava como conclusão a necessidade de existir uma íntima relação entre a marinha militar e a marinha mercante, como factor de defesa e desenvolvimento do comércio, no âmbito de uma convicção que seria através do mar que o país poderia prosperar economicamente.  


Influenciado pela corrente de pensamento da época, o poder naval de Alfred Thayer Mahan, desenhava a constituição de uma marinha poderosa de projecção oceânica, com uma função de predador, em batalha no alto mar, capaz de defender pontos estratégicos da costa (portos) e manter rotas abertas à navegação comercial. O Atlântico era a maior preocupação estratégica para Portugal, devido ao reforço naval espanhol com os planos de Miguel Villanueva de 1905 e de José Ferrándiz y Niño de 1908. Em 1909, Álvaro Nunes Ribeiro identificava Espanha como "inimigo provável" e nesse sentido justificava a necessidade clara de seguir de perto o seu rearmamento naval.


Os últimos anos do século XIX foram caracterizados por uma revolução dos meios de propulsão e dos materiais de construção naval, abrindo de forma oportuna a problematização sobre o futuro da Marinha.


As alterações tecnológicas introduziram novos produtos industriais, como aço barato, explosivos mais potentes, electricidade aplicada aos navios, telegrafia sem fios, minas, torpedo, motores eléctricos e de explosão.



Álvaro Augusto Nunes Ribeiro

(1878-1933)


Nota: As 12 canhoneiras eram destinadas serviço nas colónias.


Alfredo Botelho de Sousa (1880-1960)

Assentou praça em 1898. Cursou a Escola Naval, sendo o primeiro classificado do curso. Deputado às constituintes de 1911 e Senador até 1915. Da sua passagem pelo parlamento ficou também um trabalho de vulto, de cariz doutrinário e com um forte fundo mahanista, dedicado aos problemas próprios da Marinha, que foi publicado na obra Marinha e Defesa Nacional. Trabalhou em conjunto com Fernando Pereira da Silva para o desenvolvimento de uma nova estratégia naval, onde defendeu o conceito de domínio do mar como chave para a manutenção da independência nacional e das colónias, onde foram lançadas as bases doutrinárias do pensamento naval português da primeira metade do século XX.


Em 1914 e 1916 fez parte do conjunto de oficiais hidrográficos que a bordo do NRP Cinco de Outubro executou trabalhos hidrográficos na costa de Portugal.  Em 1916 foi observador do observatório de Ponta Delgada, tendo entre 1917 e 1918 comandado o patrulha NRP Almirante Paço d’Arcos, onde executou missões de escolta a comboios em zona de guerra. No final do conflito foi agraciado com o Grau de Cavaleiro da Ordem Militar da Torre e Espada, (05/09/1919) pelo comando dos doze comboio e demais serviços prestados em zona de guerra.


Fez parte da delegação portuguesa à Conferência de Paz de Versalhes, tendo em 1921 sido nomeado professor da Escola Naval, leccionando “Arte Militar Naval” e “Material e Operações Navais”, cargo que manteve até 1934, sem deixar de ter comandos operacionais. Escreveu vários livros, sendo de referir: Marinha e Defesa Nacional ( 1911) e Lições de Arte Militar Marítima (1928).


Alfredo Botelho de Sousa

(Contra-almirante 1939)


Fernando Augusto Pereira da Silva (1871-1943)

Teve um papel activo durante a revolta de 14 de Maio de 1915, tendo-lhe pertencido a missão de proceder à prisão do General Pimenta de Castro. Acompanhou-o até a bordo do NRP Vasco da Gama, onde terá estabelecido a sua proximidade com Jaime Leote do Rego.

 

Comandou o NRP Douro desde 10/05/1916 até 19/08/1918, participou em missões de escolta de navios de transporte para Brest e esteve nos Açores e Madeira.

 

A sua carreira pautou-se por muito mais. Fez parte da Liga Naval Portuguesa (1901) e acompanhou de perto os problemas estratégicos da Marinha. Em conjunto com Alfredo Botelho de Sousa (1880-1960) apresentaram uma nova estratégia naval, à luz da corrente da época e muito influenciada pelo pensamento de Alfred Mahan, o que levou a garantir a sua nomeação em 1911, para a Grande Comissão como responsável estratego e doutrinador. Em relação ao Plano Naval anterior, de 1908, introduz em 1911 a aquisição de seis submersíveis com a nítida intenção de vir a formar a 1ª Esquadrilha.


Assim, juntamente com outros oficiais que tentou colocar em prática um plano regenerador da Armada, com especial enfoque no poder ofensivo, sem descorar a necessária defesa do Tejo. Escreveu vários livros, sendo de referir: O Nosso Plano Naval ( 1909) e Política Naval e Política Naval Nacional (1924).


Fernando Pereira da Silva

(Contra-almirante 1935)


O Plano Naval de Pereira da Silva (1911)

Este Plano apresentou uma inovação na definição das unidades navais, em parte devido à rápida evolução tecnológica dos navios de superfície, e também pela forma como os submersíveis já eram encarados como arma de guerra defensiva eficaz, em 1911. A linha de cariz doutrinário manteve um forte fundo mahanista, continuando a ideia de uma esquadra atlântica ofensiva, desta vez com menos unidades mas mais forte: couraçados, cruzadores e contratorpedeiros. Por outro lado a defesa dos portos passou a ser concebida com a utilização de submarinos, torpedeiros e navios mineiros.


Espanha mantinha a sua posição de "inimigo provável” e o aumento da sua capacidade naval implicava repensar a defesa da longa facha litoral nacional. Surge então a definição do teatro de operações atlântico, com referência a Lisboa, Açores e Cabo Verde, com o objectivo de garantir a independência nacional, as colónias e o acesso comercial com as mesmas.


Outras questões levantadas no Plano de 1911 foram a da privatização da construção naval, da conservação da manutenção e armamento no Estado, a definição da localização do futuro Arsenal, das principais bases e de estações navais. Ficou, no entanto, definido no Plano como principal teatro de actuação o triângulo: Lisboa – Açores – Cabo Verde, com uma linha estratégica de defesa no Atlântico Norte (defesa do Tejo) o eixo Lisboa – Horta.


Derivado do Plano, em 1912 surgiu a autonomização da Marinha Colonial que prevaleceu até 1926, dotada das unidades de menor porte, canhoneiras e lanchas, gestão das estações navais coloniais, sendo a estação naval principal localizada em São Vicente, e dependente do Ministério das Colónias.


Infelizmente em 1916, este Plano quase não tinha passado do papel e Portugal apenas dispunha de um submarino: NRP Espadarte.



1916 – A Marinha na Defesa do Tejo

Jaime Leote do Rego (1867-1923)

Opositor do General Pimenta de Castro, em 14 de Maio de 1915, foi um dos principais homens da Marinha que consubstanciava a ideia de uma acção efectiva da Armada no conflito mundial. Fez-se rodear de colaboradores que permitiram chefiar a defesa do Tejo, tendo sido nomeado, por Portaria de 5 de Julho de 1915, comandante da então criada Divisão Naval de Defesa e Instrução, à qual estavam agregadas entre outras unidades o NRP Espadarte.

 

Impulsionador de uma defesa activa e independente dos Aliados no Tejo, conseguiu fáceis entendimentos com o comando do Campo Entrincheirado de Lisboa, para a colocação da Bataria na Costa Norte de Cascais.


Convicto nas capacidades operacionais da Armada, ultrapassou a pretensão da Grã-Bretanha se instalar no Tejo, ao demonstrar a capacidade de gerir as barragens e rocega de minas sem a necessidade de recorrer a estranhos. Sem constrangimentos conseguiu que os serviços britânicos saíssem de Portugal, mantendo uma excelente colaboração com a Royal Navy. A 23 de Fevereiro de 1916, a partir do NRP Douro, comandou a flotilha que cumpriu a missão de requisitar os navios alemães e austro-húngaros surtos no Tejo. Em 26 de Fevereiro apresentou um plano de serviço de vigilância e defesa da barra de Lisboa, que incluía o controlo de contrabando e montagem de um serviço de espionagem. Interveio ainda na Comissão de Administração dos Serviços de Transportes Marítimos, para exploração dos navios apreendidos e a constituição da Secção de Auxiliares da Defesa Marítima, que incorporou tripulantes da Marinha Mercante, pilotos da barra, civis com carta de timoneiro, etc., e os equiparou a oficiais e sargentos da Armada.

 

A 5 de Dezembro de 1917, com o movimento revolucionário chefiado pelo Major Sidónio Pais, foi exonerado e exilado para Inglaterra. Foi extinta a Divisão de Naval e todos os serviços foram concentrados num novo departamento, o Comando Central de Defesa Naval, sediado nas instalações da Superintendência dos Serviços Navais da Defesa Submarina, em Belém, então denominada Superintendência da Defesa Marítima do Porto de Lisboa e chefiada pelo Capitão-de-mar-e-guerra Júlio Galis.


Jaime Leote do Rego

(Capitão-mar-e-guerra 1919)

Requisição de navios

23 Fevereiro 1916


Joaquim de Almeida Henriques (1875-1945)

Foi o primeiro comandante de um submersível na Marinha Portuguesa e o primeiro comandante de esquadrilha submarina. Recebeu em 15 de Abril de 1913 o submarino português, o NRP Espadarte, em Spezia e foi incumbido de o trazer para Portugal. Partiu a 22 de Maio de 1913 de Spezia e chegou a Lisboa a 5 de Agosto.

 

Quando da revolta de 14 de Maio de 1915, onde sucederam graves confrontos armados e foi deposto o Governo do General Pimenta e Castro. O comandante Almeida Henriques, recebeu ordens do Governo para que atacasse uma das unidades dos revoltosos, ordem que não cumpriu porque não quis que a Arma Submarina de Portugal tivesse o seu baptismo de fogo contra um dos seus camaradas.

 

Em Julho de 1915, com o comandante Jaime Leote do Rego à frente da Divisão Naval de Defesa e Instrução, foram encomendados mais três submersíveis a Itália. Foi novamente Almeida Henriques incumbido de os ir buscar, tendo sido promovido a Capitão-tenente e recebido as novas unidades em Outubro de 1917, das quais tomou o comando do NRP Golfinho. Iniciou a missão de vinda para Portugal em 15 de Dezembro de 1917, em pleno teatro de guerra e perante uma acção submarina inimiga sem restrições, amarrou à Doca de Belém a 10 de Fevereiro de 1918.

 

Para além de primeiro comandante da primeira esquadrilha de submersíveis, foi ainda um dos oficiais que compôs a comissão do projecto de instalação da Estação de Submersíveis na Doca de Belém e autor do Regulamento da Esquadrilha de Submersíveis. Entre o comando do NRP Espadarte e o comando do NRP Golfinho efectuou centenas de horas em missões operacionais até Novembro de 1918.  


Joaquim de Almeida Henriques

(Contra-almirante 1937)


Doca de Belém


A Situação Operacional em 1916

O conflito 1914-18 fez ressurgir a importância da Marinha no contexto da defesa nacional. À Marinha de Guerra foi durante o conflito solicitada a missão de patrulhar a vasta linha costeira para evitar sobressaltos na actividade piscatória, impedir a utilização de zonas costeiras para o reabastecimento de submarinos inimigos e de fornecer um apoio próximo de defesa e salvamento a navios mercantes aliados e neutros que se deslocavam em trânsito nas águas territoriais portuguesas.


As hostilidades marcaram a disrupção das redes comerciais e dos mercados financeiros, colocando a questão do abastecimento dos territórios insulares e do próprio território continental como uma questão urgente, primordial e de defesa. Neste contexto a manutenção da barra do Tejo limpa de ameaças foi primordial.


Mas Portugal não se encontrava capaz de providenciar sozinho a defesa nacional, sem a assistência técnica exterior inicial, e não tinha a possibilidade de dotar a Marinha de Guerra com unidades de combate modernas e eficazes, ou seja, apresentar uma força naval operacional e capaz de defender a soberania nacional e garantir a livre circulação da Marinha Mercante.


Sem um Arsenal de Lisboa produtivo, sem estaleiros modernos e com uma fraca capacidade de produção naval, não se apesentava uma solução nacional para a necessária renovação das frotas mercante e de guerra, ficando apenas a possibilidade de depender de aquisições efectuadas junto de países como a Grã-Bretanha, França e Itália, opção que inviabilizaria qualquer desenvolvimento sustentado da Armada ou Marinha Mercante em tempo de guerra, pela simples alocação das respectivas indústrias navais aos esforços individuais de guerra.


Esta terá sido a razão pela qual não foi possível construir os contratorpedeiros Vouga e Tâmega durante o conflito e a causa da encomenda de submersíveis em 1915 só ter sido satisfeita em 1917.


Arsenal da Marinha (Lisboa).  Construção do contratorpedeiro NRP Guadiana

(Data: Set/1913, Arquivo Museu de Marinha,

Ref: Arquivo Fotográfico: SN/16026)

Com vista a colmatar as necessidades imediatas de meios navais, a 20 de Março de 1916, foi autorizada a incorporação de navios civis na Marinha de Guerra através de requisição, Decreto n.º 2288, de todos aqueles que pelas suas características pudessem ser utilizados nos serviços auxiliares ou na defesa nacional.


Foram requisitados 27 navios nacionais e 5 navios estrangeiros, e ainda um número de pequenas embarcações de recreio em Lisboa para o serviço de patrulhas dentro do Tejo e serviço redes de barragem. Entre as unidades nacionais destacou-se um grupo de unidades às quais foi atribuída a função primária de caça-minas, se bem que efectivamente se verificasse com regularidade fainas de rocega em parelha em função de draga-minas.


As unidades requisitadas com o auxílio de guarnições e oficiais da Armada cumpriram múltiplas missões, desde a defesa do Tejo até escoltas para os arquipélagos da Madeira e Açores, e ainda, para Brest.


Para a História ficou o exemplo de missão dado pelo comandante do NRP Augusto Castilho, 1º Tenente José Botelho de Carvalho Araújo, ao defrontar o submarino alemão U-139, comandado por  Lothar von Arnauld de la Perière.


Não podem ficar esquecidos os civis militarizados no corpo de Auxiliares de Defesa Marítima que combateram e morreram junto com os seus camaradas de armas e o apoio logístico dado por estes navios à 1ª Esquadrilha.

Caça-minas NRP Roberto Ivens (281T)

1º Tenente Raúl Alexandre de Cascaes (1879-1917)

Patrulha NRP Augusto de Castilho (513T)

1º Tenente José Carvalho de Araújo (1881-1918)


Ameaças Inimigas – Minas, Submarinos e Raiders

A Marinha portuguesa esforçou-se por ser autónoma na capacidade de concretizar as acções de guerra, tendo para isso formado equipagens nacionais na especialização da rocega de minas, com o auxílio de uma equipa de três técnicos ingleses liderados pelo Vice-almirante William de Salis que se encontravam em Lisboa, e iniciado os trabalhos em Abril de 1916. Leote do Rego com a sua força e capacidade de comando conseguiu impor uma independência total do comando da Divisão de Defesa Naval do comando naval britânico, sem por em causa o bom relacionamento com a Marinha britânica, mas demonstrando a capacidade técnica da Marinha nacional.  


Durante a Grande Guerra foram rocegadas cerca de 14 minas. Em 26 de Julho de 1917, a sul de Cascais, durante uma operação de rocega entre o Cabo da Roca e o Cabo Espichel, verificou-se o rebentamento de uma mina que afundou o caça-minas NRP Roberto Ivens e provocou 15 vítimas mortais, entre as quais o seu comandante o Primeiro-tenente Raúl Alexandre de Cascais. Essa mina fazia parte de um lote de 6 minas largadas ao largo do Tejo alguns dias antes, em 14 de Julho, pelo submarino alemão UC-54, comandado por Heinrich XXXVII Prinz zu Reuss.


Em Novembro de 1917 o caça-minas NRP Hermenegildo Capelo, comandado pelo Capitão-tenente Augusto Carlos de Saldanha, capturou outra mina durante numa missão de rocega, em parelha com o NRP Baptista de Andrade. Esta foi transportada para o areal da Trafaria, onde foi neutralizada, e posteriormente exposta ao público na base da 1ª Esquadrilha, em Belém. Poucos dias depois durante outra missão de rocega com o mesmo navio companheiro, abriu fogo sobre um navio mercante norueguês que entretanto se tinha tornado suspeito de andar a lançar minas. No final da guerra os britânicos comunicaram o registo de minas obtido dos alemães que permitiu localizar as minas fundadas junto à saída do Tejo, tendo o campo de minas sido desmantelado numa operação conjunta portuguesa e britânica.  Estima-se que no total os alemães terão lançado na área de acesso ao porto de Lisboa cerca de uma centena de minas.


Defesa do Tejo

A defesa em profundidade da barra, durante o período crítico da guerra, foi assegurada por duas barragens, uma exterior e outra interior ao rio Tejo, ambas operacionalizadas respectivamente por um navio de apoio. As barragens eram constituídas por redes metálicas assentes no fundo e suspensas até à superfície por flutuadores e o seu principal objectivo era impedir um ataque com torpedos ou, nos locais mais profundos, impedir a passagem de submarinos em imersão. A barragem externa foi inicialmente comandada pelos britânicos e a barragem interna comandada pelos portugueses, sob a supervisão da Divisão Naval de Defesa. Sendo um dos objectivos de Leote do Rego garantir a autonomia de qualquer serviço de guerra da Marinha perante os seus aliados, foram formadas equipagens nacionais especializadas no serviço de barragens aproveitando o auxílio da equipa de três técnicos ingleses presentes em Lisboa.


Foi ainda necessário reforçar o serviço de lançamento de torpedos fixos (minas), acrescentando ao NRP Mineiro o NRP Sado também como lança-minas. Era assim possível fundear 180 minas numa linha de 4,5 milhas numa hora, encontrando-se o serviço regulado a partir de Paço de Arcos. O serviço de lançamento de minas não se manteve permanente durante a Grande Guerra, tendo inclusivamente terminado em Setembro de 1918, quando a sua justificação já não se mantinha e era necessário passar o NRP Sado para a Marinha Mercante.


NRP Sado


NRP Vasco da Gama


Complementava ainda a defesa da barra a esquadrilha da Estação Aeronaval do Bom Sucesso, cuja missão principal era a detecção de minas e submarinos inimigos, o sistema de artilharia fixa do Campo Entrincheirado de Lisboa e o sistema de artilharia móvel do cruzador NRP Vasco da Gama que funcionava como uma bateria flutuante. Em complemento a esta unidade naval existia o apoio de torpedeiros composta por três navios rápidos de superfície, cuja função defensiva foi substituída a partir de Março de 1918 pela 1ª Esquadrilha de Submersíveis. 

A 1ª Esquadrilha de Submarinos - Características Técnicas

NRP Golfinho      Capitão-tenente Joaquim Almeida Henriques

NRP Foca             1º Tenente Adalberto da Silva Machado

NRP Hidra            1º Tenente Fernando Augusto Branco

NRP Espadarte    2º Tenente Fernando Alves de Sousa


Produzidos nos estaleiro da Fiat – San Giorgio, Spezia, derivaram directamente do Modelo Laurenti, sendo conhecidos em Itália como Classe F.  Foi o modelo base de submersível utilizado pela marinha italiana na Grande Guerra, tendo ganho prestígio e reconhecimento de fiabilidade, e se tornado um equipamento naval de exportação não só para Portugal, mas também para o Brasil, Espanha, Suécia e Rússia.


São submersíveis costeiros em muito equivalentes à Classe H britânica (1918), igualmente com uma autonomia de 1.600mn e armados com 4 torpedos Whitehead Mark VII de 450mm.


O Foca, Golfinho e Hidra - De Spezia a Lisboa

Face aos excelentes resultados obtidos com o NRP Espadarte, no final de 1915 o Governo Português encomendou em Itália mais três submersíveis da Classe F: o “Foca”, o “Golfinho” e o “Hidra”, os quais largaram do porto de La Spezia em Dezembro 1917 em direcção a Lisboa.

 

Em pleno conflito mundial os três submersíveis cruzaram o Mediterrâneo, em formação com o NRP Patrão Lopes e outras unidades aliadas (primeiro italiana e posteriormente francesas). Num percurso onde encontraram fortes intempéries  e zonas assoladas por submarinos inimigos, chegaram a presenciar o torpedeamento de navios mercantes nas suas proximidades. Após a longa viagem de oito etapas chegaram a Lisboa em Fevereiro de 1918.


Já em Lisboa o Comandante do NRP Golfinho, o Capitão-tenente Joaquim de  Almeida Henriques, tomou o comando da Esquadrilha, à qual se juntou o NRP Espadarte.


A Base operacional da Esquadrilha ficou instalada na Doca de Belém até ao final da guerra. 



Guarnições portuguesas em Spezia (1917)

Nota: A 6ª Etapa corresponde à travessia de França para Marrocos


Estratégia e Táctica

A principal missão táctica dos submersíveis da 1ª Esquadrilha foi a de vigilância costeira e guerra anti-submarina, o que levou à definição de uma zona de operações compreendida entre as Berlengas e Sines.  


A barra do Tejo revelou ser uma zona preferencial para os submarinos alemães operarem, dada a facilidade que essa localização oferecia para o avistamento de alvos militares ou civis por parte do inimigo. Terá sido este um dos factores determinantes para o posicionamento regular dos submersíveis da 1ª Esquadrilha na zona de Cascais.

A presença dos submersíveis nacionais à entrada do Tejo e o conhecimento deste facto por parte do inimigo, reforçava o poder dissuasor destas unidades navais, obrigando o inimigo a restrições tácticas, como a necessidade de navegarem nas zonas patrulhadas preferencialmente em imersão, diminuindo-lhes o campo de visão e por conseguinte a capacidade de detecção de alvos.


Em contrapartida, a capacidade de TSF instalada nestas unidades permitia avançar mar a dentro os postos de escuta e retransmissão de mensagens, o que reforçou a capacidade de detecção de transmissões inimigas quando estas fossem efectuadas fora do alcance da rede de vigilância terrestre. Mas a maior vantagem retirada da utilização de submersíveis para a vigilância externa da barra do Tejo, em vez de patrulhas de superfície, encontrou-se na novidade de aproveitar o mar de forma tridimensional, permitindo que a unidade naval se escondesse, ou se emboscasse, abaixo da superfície do mar e operasse oculta e mesmo atacasse de surpresa.


Na época a identificação de um submarino à superfície não era fácil e era impossível em imersão, o que implicava a necessidade de os atacar de imediato após a localização por forma a que estes não tivessem tempo de imergir e fugir. Por isso a regra era ”antes destruir um submarino aliado do que poupar um submarino inimigo”. Aos submarinos cabia-lhes imergir rapidamente em todas as situações, se bem que existiam alguns procedimentos de identificação, como o lançamento de foguetes de cores convencionadas ou a pintura do casco com desenhos pré-convencionados, neste caso para identificação aérea.


A Vida a Bordo

O momento da imersão em muito era parecido com um naufrágio controlado. A capacidade de controlar de forma rigorosa a reserva de flutuabilidade, anular a gravidade e vencer a força de impulsão era parte da arte de navegar. Pela falta de instrumentos e precisão dos existentes havia que acautelar a profundidade, por causa da resistência máxima do casco ou para não chocar com o fundo. Outro factor era a alteração da propulsão que variava da superfície para a imersão, de combustão interna para eléctrica. Por último, e de grande relevância, era a variação da densidade da água podia apresentar grandes variações, principalmente junto à barra do rio com o sentido das marés, por causa da água doce.


Os submersíveis da 1ª Esquadrilha eram máquinas de 45m e totalmente manuais. A navegabilidade em imersão, com toda a necessária gestão de peso entre os tanques de compensação e os tanques externos, tinha ainda por vezes de aproveitar a deslocação da guarnição no sentido longitudinal do navio para aproveitamento do peso humano.


Em imersão era garantido à guarnição uma respiração do ar à pressão atmosférica normal, através de acumuladores de ar comprimido. No entanto o inquinamento do ar tornava-se o maior problema, sendo que uma imersão prolongada poderia provocar uma percentagem anormal de oxigénio, anidrido carbónico, humidade, etc. , no ar respirado e não renovado. Para além do inquinamento do ar, existia o problema da humidade e consequentemente o de temperatura. Depois de algumas horas de imersão a humidade tendia a aproximar-se do estado de saturação e a inevitável subida de temperatura no interior do navio em imersão, provocava a existência de abundante condensação nas paredes frias do casco. A respiração tornava-se difícil o que se reflectia na capacidade física dos homens. A condensação provocava ainda a deterioração do material e interferia com os sistemas eléctricos do submersível. Outro problema grave que poderia surgir, resultaria de uma eventual falta de estanquicidade, que ao juntar água salgada às baterias do submersível provocava a libertação de gases de cloro altamente tóxicos.


Em Missão de Vigilância

Em tempo de guerra os submersíveis eram escoltados por uma unidade de superfície até à zona de patrulha. No regresso eram igualmente escoltados para entrarem na barra. Durante o tempo de patrulha, quando detectados eram tratados como submarinos inimigos e nesse sentido eram lançados alertas por TSF sobre a sua presença a toda a navegação.


Relata-nos uma destas situações o comandante Joaquim de Almeida Henriques, quando foi detectado numa dessas situações de alerta lançado por TSF, em 6 de Setembro de 1918, frente ao Cabo da Roca. O NRP Golfinho encontrava-se em imersão parcial à tona de água, para poupar energia eléctrica e para  ter um campo de observação mais amplo sobre o horizonte, quando foi avistado pelo posto de observação colocado no Farol do Cabo da Roca. A partir deste foi transmitido um alerta de presença de submarino inimigo, tendo os navios que faziam rocega de minas e os patrulhas que se encontravam de prevenção se dirigido para a zona suspeita.


Um dos navios ao aproximar-se abriu fogo sobre o NRP Golfinho, mas este manobrou de imediato e submergiu, aflorando à tona de água momentaneamente para observar através dos seus dois periscópios a posição dos navios que o perseguiam. O NRP Golfinho controlou bem a situação porque tinha a vantagem tecnológica do seu lado, uma vez que os navios não possuíam equipamento de escuta submarina.

Estes seguiram para na direcção de pressuposta progressão do submersível, mas este submerso dirigiu-se na direcção oposta.  Durante as manobras evasivas o NRP Golfinho passou a uma curta distância um paquete e da sua escolta que regressavam de França sem o detectar. O submersível  regressou mais tarde à base normalmente, escoltado e sem mais imprevistos.


Levantamento da actividade da 1ª Esquadrilha na Grande Guerra

(Arquivo Central da Marinha)

Portugal durante o conflito ficou sem contacto terrestre directo com os seus aliados. Ficou numa posição geográfica isolada e assim com uma dependência quase exclusiva do abastecimento recebido por via marítima. Espanha manteve-se neutra, mas estava mais empenhada em fornecer a França, que lhe mantinha um nível de exportações muito elevado, do que Portugal. Abastecido por mar, onde decorria uma feroz guerra ao comércio, Portugal sofreu as consequências económicas do bloqueio naval e não teve qualquer proveito económico derivado da sua posição geográfica.


A lição que Portugal aprendeu durante a Grande Guerra terá certamente influenciado a posição não intervencionista (neutra), durante a 2ª Guerra Mundial, e a questão da necessidade de meios operacionais mínimos para defesa dos arquipélagos e do continente terá sido reconhecida. Também ficou demonstrado que as grandes unidades navais pensadas no Plano de 1911, se adquiridas não teriam sido relevantes para a defesa das águas nacionais e das vias de comunicação, uma vez que o desenvolvimento tecnológico da arma submarina e aérea levou a guerra para uma terceira dimensão, numa cota acima ou abaixo do nível do mar, convertendo as grandes unidades em alvos fáceis.


A Introdução de uma esquadrilha de submersíveis no sistema de defesa do Tejo representou um sucesso estratégico e o esforço operacional das unidades tornou-se ainda mais importante com a divulgação da sua existência junto do inimigo, potenciando o seu poder dissuasor.


A operacionalidade da 1ª Esquadrilha foi notável, houve um esforço humano e material que levou à utilização do NRP Espadarte até ao limite da sua capacidade mecânica, em Agosto de 1918, e à constante utilização das restantes  três unidades até ao final do conflito.


A 1ª Esquadrilha de Submersíveis, pela sua acção em tempo de guerra, demonstrou que a Arma Submarina foi, e ainda é, um instrumento importante na defesa dos interesses nacionais, na defesa das barras dos portos, na interdição de utilização das águas nacionais por elementos estranhos ou hostis e uma arma fundamental para impedir um bloqueio naval costeiro.  


Conclusão

Bibliografia


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Comunicação apresentada no Congresso Internacional - A Marinha e a Grande Guerra: Política e Poder Naval

15 de Outubro de 2015, Escola Naval, Alfeire




A apresentação foi efectuada na presença do Prof. John Hattendorf (US Naval War College)

Ordem 59/1917


Serviço da República. Submersível “Espadarte”. Lisboa 7 de Março de 1917. Número cinquenta e oito. Ao Comando da Escola Prática de Torpedos e Electricidade. Para os devidos efeitos se comunica terem nesta data recolhido à Majoria General da Armada por ordem da mesma, afim de seguirem para a Missão Naval em Itália os oficiais seguintes: 2º Tenente Anibal de Mesquita Guimarães, idem 2º Tenente Fortunato Pires da Rocha, idem 2º Tenente Victor Serra . Informa-se que durante o tempo que estiveram embarcados neste navio fizeram os seguintes tirocínios: 2º Tenente Mesquita Guimarães, imersão 8, cargas de bateria com M.C. 6, com corrente A.M. 2, ar comprimido 8, navegação superfície 7; 2º Tenente Pires da Rocha, imersão 6, cargas de acumuladores  M.C. 6, com corrente A.M. 2, ar comprimido 8, navegação superfície 7; 2º Tenente Victor Serra, imersão 8, carga bateria M.C. 6, com A.M. 2, ar comprimido 8, navegação superfície 7.


O Comandate interino Fernando Henriques Alves de Sousa , segundo tenente.

Está conforme


Comando do serviço e Escola de Torpedos e Electricidade em Vale de Zebro, 9 de Março de 1917.

2º Comandante

10 de Março de 1917


Referência: PT/BCM-AH/CX1376 (Escola Prática de Torpedos e Electricidade 1917)